Saiu a edição 99 da Agulha Revista de Cultura. O link geral é este: http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com.br/2017/07/agulha-revista-de-cultura-99-junho-de.html.
quarta-feira, 5 de julho de 2017
terça-feira, 4 de julho de 2017
TODOS OS INDÍCIOS
Medo, porque tudo conspira para tanto;
e
horizonte outro não há senão
este olhar em espreita,
este gesto contido,
este fechar de portas,
tantas precauções.
Medo,
porque a vida anda a requerer ciência exímia,
toda a
técnica com que nos alertamos contra os males.
Dormir,
sonhar, ter medo ainda aí.
Acordar
instigado, as mãos trêmulas
─ um
barulho no telhado, serão os gatos?,
um
crucifixo na parede, o silêncio de pedra ─,
todos
os indícios de que algo está suspenso no escuro.
Lá
fora, o carnaubal geme.
│Poema
da Série “Medo” – Autor: Webston Moura│
ESTRANHOS
Vigiamo-nos.
Nada
mais é natural.
No
perde-e-ganha, jogo insosso e agudo, sofremos.
E, sós, não imaginamos saídas.
Tocamo-nos,
mas com a cisma de um estrangeiro
adentrado
a uma terra estranha.
Nossas
casas ─ lares não mais ─
guardam
o torpor dos nossos corpos.
E o
tempo escorre sua toda aridez no nosso sangue.
│Poema
da Série “Medo” – Autor: Webston Moura│
AQUELE CÃO
Ao pé
do portão, aquele cão de cismada figura, a dormir.
Quem sabe o que lhe passa ao coração?
Se me
ponho de pé até com os móveis,
não
seria, pois, minha a cisma?
Não
lembro outro tempo
que não
seja este,
o do
temor.
Meu
corpo adquiriu esse saber
e o
sabe com a mais fina destreza.
Aquele
cão!
│Poema
da Série “Medo” – Autor: Webston Moura│
quarta-feira, 17 de maio de 2017
O PIANO
Não sabe onde toca, dentro de si, o piano.
Escuta-o,
mas não com os ouvidos,
e não
uma só música, que há muitas tocando.
Sabe-se
saudável; não se toma por delirante:
pessoa de
imaginação estendida e aberta, segue.
Como
não encontra a porta que dê para o lugar do piano,
tampouco
o piano diretamente sobre seu nariz, procura.
Lembra-se
─ como não? ─ da casa incendiando-se,
seus tios
correndo, os vizinhos juntos, a rua acesa.
No meio
do fogo, ardendo severo, ia-se o piano.
Faz
tanto tempo, faz tanto tempo, faz tanto tempo.
Tanto tempo!
│Poema
da Série “Objetos Perdidos” – Autor: Webston Moura│
O LIVRO
O Retrato de Dorian Gray nunca lido.
E, por
algum motivo, sempre este encontro desmarcado.
Os anos
se passando, o livro fechado, oculto em seu silêncio.
Por
algum motivo, o livro pairando, suas palavras guardadas.
Ora,
mas que motivo é este?!
A cada
dia, a cada mês, a cada ano, o livro nunca lido
desaparecendo,
virgem desta vontade que não o alcança,
destes
olhos que não o perscrutam,
sempre.
sempre.
Objeto tocado,
mas perdido, posto que não viajado entranhas adentro.
│Poema
da Série “Objetos Perdidos” – Autor: Webston Moura│
A JARRA
Não sabe da jarra que falta,
só de
seu pacífico lugar.
Alguém
a roubou?
Todas as
investigações chegaram a nada.
O que
possui é a mesa vazia, a marca do fundo,
a sombra
agigantada de uma voz muda.
Quando
relampeja, luzes apagadas, quase a vê, mas é ilusão.
Comprasse
outra, resolvido o problema. Mas, não!
Adquirir
um gosto pela busca, sabendo do perdido, é também aventura
e, de certa forma,
posse.
Se há
quem ame carrancas, por que não amar uma ausência?
│Poema
da Série “Objetos Perdidos” – Autor: Webston Moura│
INFINITOS DE MIM
Que esta folha em branco não me seja naufrágio.
Preciso
escrever uma carta, testemunhar o instante.
Marujo,
deixo continentes encostados à espera.
Trago
sal às palavras, todas grávidas de viagens.
Ao mar,
infinitos de mim.
│Poema
da Série “Mar” – Autor: Webston Moura│
AQUELES OLHOS NOTURNOS
Quis um poema nu e simples,
búzio pequeno
todo-em-si,
jangada
clara na linha d’água.
Queria
estar noutro lugar,
que este
atulha-se de mundo.
Pude o
mar, a janela aberta à brisa,
os olhos
noturnos de noturna moça.
│Poema
da Série “Mar” – Autor: Webston Moura│
JANELA ABERTA PARA O MAR
Da minha janela, mar nenhum.
Imagino,
pois, os azuis que gosto.
E a
areia, leve e branca, me escorre entre os dedos,
sonho vagaroso
de domingos preguiçosos.
Da
minha janela, que janela há?
A que
me pousa onde me invade,
pássaro
branco de nome melódico.
Sonhei um
cais e um horizonte.
Não
havia dor, nem contas, nem urgências.
Deram-me
por louco divagando tolices.
Não
sabem de inventar paisagens ou palavras.
Faço,
assim, como me assenta, dar de ver mar,
mas mais
ainda: nele nadar e me converter.
Vês o
cavalos-marinhos?
São como serenos lírios de luz.
│Poema
da Série “Mar” – Autor: Webston Moura│
A SURPRESA DA MANHÃ
Uma canção onde cantemos
transitórios eternos morrendo
passando
ficando ainda nos demorados
violinos da canção tão breve.
─
Manuel Alegre, Canção Primeira
As
cores estalam na manhã orvalhada.
Aos
homens, tigres ou asas, o destino escolhido.
Inauguram
o trabalho, o sofrimento, a esperança.
E isto já é muito pleno.
│Poema
da Série “Sob Inspiração de Manuel Alegre” – Autor: Webston Moura│
VIAJANTE VOZ
Vai minha canção vai como um navio
sete mares são pequenos
para o rumo que tu levas.
Em qualquer parte alguém te
espera.
─
Manuel Alegre, Canção Primeira
Em
diferentes sentimentos, vai.
Deixa
o medo aos vermes.
Veste a roupa de viagem,
toma
alforje, mapa, e vai.
Dirão
que o poema é inofensivo,
pois
os homens estão cegos.
Vai,
porém. A vida urge:
há
uma criança no escuro,
seu
choro pede auxílio;
há
homens diminuídos,
mulheres
sobressaltadas.
Vai,
poema, que algum olho vigilante aguarda.
│Poema
da Série “Sob Inspiração de Manuel Alegre” – Autor: Webston Moura│
Contra O Esquecimento
não eu apenas mas a própria
viagem
─
Manuel Alegre, Canção Primeira
Em
cada poema, estranho que o seja,
água
suspensa no ar, cascata em queda,
só,
uma
pessoa habita a própria voz,
exercita
sua presença, ainda que em não,
no mundo.
E
é sua inteira passagem, o que é dizer sua vida,
a comunhão com outras vidas, todas imersas nesta dança:
a
sobrevivente escrita que se possa ter
─ contra o esquecimento.
│Poema
da Série “Sob Inspiração de Manuel Alegre” – Autor: Webston Moura│
.................................................
Leia outros posts:
.....................................................................
Webston Moura, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Caderno Livre e Só Um Transeunte.
..............................................................................
domingo, 14 de maio de 2017
COMO CAVALOS FATIGADOS ABRINDO UM MAR
por: W.J. Solha
Embora DÉRCIO
BRAÚNA pegue a imagem de outro poeta, seu título me remete aos CAVALOS BRANCOS
DE NETUNO do art nouveau WALTER CRANER, como se vê abaixo. Esse SEU NOVO LIVRO,
da editora Radiadora, 2017, revela enorme salto de qualidade em relação a suas
obras anteriores. Assumindo um tom bíblico – ancorado no Gênesis, Salmos,
Eclesiastes e Cantares de Salomão – alcança muitos momentos de grande beleza.
Sublinhando, sempre, o que apanha de outros criadores, faz uma “costura de
vozes e desassossegos”, “na voragem doutros gritos, na escuta doutros
silêncios”.
Diz , logo no primeiro poema, o MANUFATURA:
-
Talvez seja mesmo isso:
desde o caos de tudo
( princípio que há de ter sido )
que andamos nesta penosa manufatura:
criar um mundo
“pra saber se há deus”
-
Esquisito, Mas o que é a poesia, para ele?
. (...) uma exploração ao redor, / e é um latejo/ ardendo de dentro /do veio, / é essa “viagem / da mão a seu duelo, / é palavra que encosta/ “o amor e a pedra”. ]
-
OU SEJA: BRAÚNA NÃO SE INIBE EM PÔR NO CLIMAX DE SUAS POESIAS O MELHOR DO MELHOR DE OUTROS POETAS., POIS O QUE LHE IMPORTA É CHEGAR ONDE QUER. Em DA CHAMA DO MEU DESESPERO,por exemplo, diz:
- Meu desespero/é este nunca saber/ se na carne irascível e verbal do poema/ se acendeu/ “o intenso fogo devorador das coisas
-
SUPONHO QUE ISSO SEJA ALGO NOVO.
Ele diz, em DO MAR ROXO DE JERUSALÉM,
- Nomes e mais nomes, / mortos e mais mortos:/ e quem os pronuncia/ relincha,/ não se cala/ ( não se pode calar), / como “cavalos fatigados que cruzam um mar roxo.”
-
SOBRE AS TRADUÇÕES, DIZ, NO GENIAL “POR SOBRE AS CERCAS”:
- “O Poema se ofende quando o traduzem” / Mas que fazer? / Por mais que tenhamos tentado, / ainda não soubemos habitar uma Babel feliz, / por isso essas ofensas bonitas, / que se vão atirando contras as cercas do mundo.
-
DÉRCIO BRAÚNA É FANTÁSTICO QUANDO DIZ ( atentem para isto):
- Escrevo porque estou aqui, diante do desastre.
-
Talvez seja mesmo isso:
desde o caos de tudo
( princípio que há de ter sido )
que andamos nesta penosa manufatura:
criar um mundo
“pra saber se há deus”
-
Esquisito, Mas o que é a poesia, para ele?
. (...) uma exploração ao redor, / e é um latejo/ ardendo de dentro /do veio, / é essa “viagem / da mão a seu duelo, / é palavra que encosta/ “o amor e a pedra”. ]
-
OU SEJA: BRAÚNA NÃO SE INIBE EM PÔR NO CLIMAX DE SUAS POESIAS O MELHOR DO MELHOR DE OUTROS POETAS., POIS O QUE LHE IMPORTA É CHEGAR ONDE QUER. Em DA CHAMA DO MEU DESESPERO,por exemplo, diz:
- Meu desespero/é este nunca saber/ se na carne irascível e verbal do poema/ se acendeu/ “o intenso fogo devorador das coisas
-
SUPONHO QUE ISSO SEJA ALGO NOVO.
Ele diz, em DO MAR ROXO DE JERUSALÉM,
- Nomes e mais nomes, / mortos e mais mortos:/ e quem os pronuncia/ relincha,/ não se cala/ ( não se pode calar), / como “cavalos fatigados que cruzam um mar roxo.”
-
SOBRE AS TRADUÇÕES, DIZ, NO GENIAL “POR SOBRE AS CERCAS”:
- “O Poema se ofende quando o traduzem” / Mas que fazer? / Por mais que tenhamos tentado, / ainda não soubemos habitar uma Babel feliz, / por isso essas ofensas bonitas, / que se vão atirando contras as cercas do mundo.
-
DÉRCIO BRAÚNA É FANTÁSTICO QUANDO DIZ ( atentem para isto):
- Escrevo porque estou aqui, diante do desastre.
____________________
SERVIÇO:
Como cavalos fatigados abrindo um mar
Dércio Braúna
Editora Radiadora (Fortaleza-CE)
e-mail: radiadora@gmail.com
fone: 999442220
___________
quarta-feira, 26 de abril de 2017
AO SOM DE UMA SALSA
Quase não suporta a bolsa;
falta-lhe
a respiração.
Pouco
antes de virar a esquina,
o
taxi some, surge um letreiro.
Que importa. Vamos a pé mesmo.
O
filme é interrompido neste ponto.
Avisam,
lá de fora, que a luz caiu na cidade inteira.
Você não gostaria de tomar uns
drinques?
Amanhã tenho que ir à cidade
vizinha.
Mas
quem resiste a tão comovente convite.
A
luz voltou. A loja de miudezas parece uma feira.
Pipocas,
bolas, negros meninos sorridentes nas calçadas.
Um
carro dos anos 50 ─ Estamos em Havana?
Recomeça
a cantarolar a salsa, dança na calçada.
Um
policial observa e sorri, distrai-se.
Sua
pele parece algodão.
Já
está quase na hora de ir para casa.
Me gusta mucho Mongo
Santamaría.
No entendí.
Sorrimos.
Começa
a neblinar, suavemente.
│Poema
da Série “Incidentes” – Autor: Webston Moura│
Assinar:
Postagens (Atom)