domingo, 19 de setembro de 2021

CALIGEM



Two Seated Girls (1911) - Egon Schiele





Onde não vês,
há duas crianças.

Passas apressadamente:
uma terça-feira de negócios
e inadiáveis ansiedades
te consomem.

Por isso,
não vês.

Como não sabes mais o trovão,
o abraço, a gratidão, os quintais,
o pão e a dança.

Estás dormindo,
acalentado pela velocidade
e o torpor.





|Autor: Webston Moura|






..........................................................
............................................................

O MOTOQUEIRO DO SÁBADO


Fury (1944) - Francis Bacon




Madrugada.
Vem o motoqueiro desordenar o sono.
Sobe e rua, desce a rua, some-se, volta,
como se a procurar objeto impossível.

Só lhe sabemos o som
de sua máquina furiosa,
escape desengasgado
rasgando o silêncio,
acordando gente
e assustando os cães.

Deve ser solitário,
sem mulher e filho.

(Arrasta um dor
ou finge ter uma?)

Não nos fala língua
de dar-e-receber.
Só nos quer em vigília
de uma sua aflição.




|Autor: Webston Moura|






..........................................................
............................................................

sábado, 18 de setembro de 2021

Crepuscular








Longe,

as acácias
(cálices dourados
onde a tarde bebe
o vinho mais puro).
Anjos lá no céu
guardam seus arados
porque o olhar do sol
está perdendo o brilho.

— Mas, segue no escuro
o trem sobre trilhos.




|Autora: Lenilde Freitas|






..........................................................
............................................................

O VIAJANTE








Eu sempre que parti fiquei nas gares
Olhando, triste, para mim...





|Autor: Mário Quintana|





..........................................................
............................................................

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

DENTRO DO SILÊNCIO







“Quero viver como uma bandeira à brisa,
Símbolo de qualquer coisa no alto de uma coisa qualquer”
- Álvaro de Campos





Como passageiro e passagem,
a cor, mas, antes, a luz, ela mesma,
fogo da vida,
o que se pode além das palavras
e, ainda assim, capaz de a tudo dizer.





|Autor: Webston Moura|





..........................................................

Um Pássaro







É um pássaro, mas ninguém o vê.
Apenas eu o observo, seu voo no azul,
singularidade da qual nada diriam,
dada a pressa cega do viver.
A vida urge, não se pode pasmar por voos,
nem de pássaros, nem de outros! — haveriam de repetir.
Mas, eu, nesse instante, só, em silêncio, sob vento e sol,
o vejo, um pássaro em seu voo,
magnificência da vida,
simplesmente.


 
|Autor: Webston Moura|



..........................................................

Eco



É mais fácil partir quando o silêncio

transpõe a tua voz.
Mais simples celebrar a tão efémera
certeza de estares vivo.

A música do ar esvai-se nas sombras,
tu sabes que é assim,
que os dias correm céleres, não tentes
perseguir o seu rasto – repara
como em abril as aves são felizes.

Sê como elas: não perguntes nada,
deixa que o sol responda à flor da tarde

e esquece-te do mundo.



|Autor: Fernando Pinto do Amaral|




..........................................................