sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

ENQUANTO ELA VOA

Desses guetos aí porta afora,
do fundo de pequenos quartos,
da sombra de qualquer alpendre,
do interior de um ônibus,
de todos os esconderijos,     
alguém quer poesia,
captura-la, senti-la, fazê-la



                         enquanto


ela
                              

                                  voa,


como se houvesse



        ─ e há ─



espaços em branco
(vazios sagrados)
no tumulto do mundo.

Nada pergunte.
Apenas saiba que nem todos
estão para as rações ordinárias.



Há os que amam.
Quietos que sejam, há.




│Autor: Webston Moura
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Quero Leveza



Sea channel with lighthouse (1873) - Ivan Aivazovsky





A notícia suja meus olhos.
O volume, a reverberação,
a comoção, unanime e planejada,
o todos juntos, quer no ódio ou no amor,
tudo isso é política e propaganda.

Quero a leveza, a suave tatibilidade,
o olho que olha e vê, sem espasmos,
o beijo, a brisa, a lua lenta, quero-os.
E, assim, como se vai devagar um barco,
quero-me invisível ao horror geral,
à cena, ao espetáculo do presente,
ao tumulto de opinar e sofrer impugnação.

Desejo rever relâmpagos;
ter meus olhos de volta.
Desejo acordar do viva-voz,
da excelência tech que me priva
de sentir a minha carne.



│Autor: Webston Moura



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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Caderno Livre e Só Um Transeunte.
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quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

OS HOMENS DE BEM

De bem, os homens,
aparentemente limpos,
de terno, gravata e sapatos,
no ar-refrigerado máximo,
à sombra de dias plenos,
discursam, sérios e eloquentes,
gesticulam, aparteiam-se, cutucam-se
                                           ─ e nos traem!

De bem, os homens
nos apresentam esposas,
filhos, amigos, agregados,
tradição e honra.
Frequentam igrejas,
admoestam, instruem,
insinuam comoções,
agarram-se à bandeira
e aos bons costumes
           ─ e nos pisam.

De bem, os homens,
à direita ou à esquerda,
desejam empreender um país
em que sejamos melhores,
sorridentes, diligentes, criativos,
pacíficos, contentes, superiores
                             ─ e nos cospem.

De bem, os homens,
cavalheiros do tempo-hoje,
em toda a santidade
de condutas ilibadas
(V.Exª me respeite,
que aqui nesta casa....),
andam sobremodo a nos amar,
amantes que o são da pátria e do povo
 ─ e nos matam, devagar, bem devagar.

│Autor: Webston Moura
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PATERNIDADE AVESSA QUE NOS FAZ ÓRFÃOS

Indicativo do presente,
um samba desafinado,
um amor desacatado.



Nosso país é um labirinto:
impossível a porta.
Para um mesmo dia,
acordamos.

Nas ruas, o temor;
nada é seguro.
Temos medo da criança
que se aproxima e estende os olhos
(será que está armada?)

Contamos os corpos,
as contas, as frustrações,
as doses no bar, as cores desvairadas
com que nutrimos a incógnita Brasil.
E isto nos habita, insuportavelmente,
como um louco habita um porão,
segregado da saúde dos homens de bem.

Nosso país:
paternidade avessa que nos faz órfãos.

│Autor: Webston Moura
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segunda-feira, 28 de novembro de 2016

EM OLHOS DE ARDÓSIA

Do sertão, infinita noite:
açafroada lua ressoando azul;
o silêncio viril em que um pássaro
─ anjo de cobre, olhos de ardósia ─
enovela-se no ar (orvalho suspenso)    
e canta num triz sua voz de aviso
passo por aqui e chamo aos vivos.



Um menino anda
na estrada poeirenta.

Quem vem lá?
Um sem-nome, um vulto.
Quiçá um dia se saiba
do que lhe ocorre
entranhas adentro,
sua força medida
em cada pulso,
seus olhares ternos
para a estrelas,
e este dia ido
em olhos de ardósia.


│Autor: Webston Moura
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domingo, 27 de novembro de 2016

PESSOA

Frágil, surgia.
Vitis vinifera.
Tão forte!



Assustada, carecia de abraços.
Não queria pensar, medir, saber.

Desapareça, cabeça, desapareça!

Assim é o corpo quando só,
quando dor: todo humano.
Assim é o humano.

Assustada, queria apenas sumir-se do presente;
depositar-se, tranquila, nalguma longinquidade.

Por isso e gradual, o vinho.
E o sofá diante da janela.
(Cor de trigo, dócil, a tarde).

Silêncio.
Dentro do abraço,
fora do mundo,
desassustava-se.

E o vinho já lhe corava os olhos.
Seu corpo, lar, canção, deserto.

│Autor: Webston Moura
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sábado, 26 de novembro de 2016

Actinidia deliciosa

Sim, estou feliz!
Mares ressoam horizonte além.
Compreendo o abajur,
melhor dizendo,
esta luz convidativa
que esconde e revela um corpo.

Forte é o coração quando deseja.
E se os olhos acolhem
─ brisa fagueira, carruagem de filme ─,
diz-se desta alegria chamar-se amor,
termo com que se nomina o ser e o sentir
                                      ensolarados.

É de ordem intima esta festa,
fora do index das coisas que padecem.
É vida demorada no abrir-se de uma fenda,
um estalo revigorante de supremo sumo.

Sim, imagino que o transeunte me estranhe.
Mas, perdoa-me, que estou na praia doutro país!
E meus olhos não veem senão a exata beleza.
Não posso me permitir sobressaltos,
tampouco assombradas hesitações.
Vou fechar os olhos e pular.

Perca-se o relógio
no fastio de sua rotina.





|Poema da Série "Mar" Autor: Webston Moura|

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, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Araibu e Só Um Transeunte.
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