quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

UM POEMA DE LÍLIA TAVARES



Que fazer do álamo do teu sorriso
Se perdi a voz das
Folhas do teu rosto?

Que ouvir do eco da tua voz
Se o portão pesado da
Memória nos devolve
Apenas os ramos nus
Das tardes sem sentido?

Quem vou beijar quando a pele
Do meu desejo
Frágil e líquida se evapora entre os dedos?



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Poema que abre o tomo “Desaguar do Desejo” do livro “Evocação das Águas" (Seda Publicações, 2015). O livro, em capa dura, tem ainda ilustrações de Carmo Pólvora e apresentação de Carlos Eduardo Leal.

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# LEIA TAMBÉM:


# Contatos com autora podem ser feitos através de seu perfil no Facebook [https://www.facebook.com/lilia.tavares.3] ou na página Quem Lê Sophia de Mello Breyner Andresen [https://www.facebook.com/QLSMBA]

# Lília Tavares consta da segunda edição de Kaya [revista de atitudes literárias]:
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É UM POETA ANDANDO DE BICICLETA

Tudo é política!
─ brada o apaixonado.

E o que é todo esse espaço
adensado de sem-nome?

É um poeta andando de bicicleta!
─ responde a moça ruiva da janela azul.


│Autor: Webston Moura
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terça-feira, 13 de dezembro de 2016

FILME DE AÇÃO

Depois de muitas explosões,
carros e prédios incendiados,    
tiros com todo tipo de arma,
a cidade não está salva,
mas destruída.

Nossos heróis não mais existem.
Restaram essas sobras de hospício
que têm pesadelos e gostam de esfolar.

Amor, justiça e generosidade
são coisas do passado.
Importa o impacto,
a linguagem de videoclipe
e muitos corpos espalhados.

Parece até a vida real.

E aquele cavaleiro,
taciturno e correto,
capaz de amar a uma donzela,
já não caminha mais contra o por de sol
(cena derradeira, quando o letreiro subia).
O que dele se sabe é que ama a uma lâmina
                                                    e não tem mãe.

Parece até a vida real.



│Autor: Webston Moura
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segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

AS MÃOS

Olhar as mãos: sabê-las; cuidá-las.
Destinos são. As duas, poder imenso.




Herdamos os que nossas mãos seguram:
o abraço; a dor; a vontade ressuscitada, sempre.

O homem é frágil, o homem é forte.
O homem é a escolha, diariamente.

O que cabe num coração?
De melhor, o que cabe?

Aqueles dias são hoje,
vidas como águas que se misturam
no tempo. E o tempo é aquático.

Aqueles dias são para as horas esticadas,
as horas em que pudermos apenas estar.
E tudo isso é uma onda infinita de eternos.

Herdamos o que nos damos.
Sejam, pois, navegações.


│Autor: Webston Moura
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SOB A LUZ

Vi um lírio martagão na encosta do monte.
Novamente fui menino e pude sonhar.





Aqui deponho as rosas ásperas
com que os homens se ferem.
É a curva necessária, antes de partir.
Há os que ficam; seus trabalhos tardam.
Há os que comigo partem, silentes.    
Nosso destino é incerto, mas necessário.
Abre-se o mundo, devagar, para o dia
da nova palavra e do novo gesto.

Aqui deponho o que me dás,
as mesmas rosas, por anos a fio
(o cálcio a prender o sempre-mesmo
de ossos mortos, vida repetida
que não mais me cabe).

Olho a estrela-guia no céu tranquilo,
bússola dos sonhadores de todos os tempos.
Ergo velas, preparo suprimentos, e me vou.

Desejo a humana, humaníssima terra,
larga, funda e próspera, promessa que me faço.
Nela, os deuses anelados ao meu coração.

(E um raio de luz ilumina um lírio,
um filho extremo de uma família eterna)



│Autor: Webston Moura
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sábado, 10 de dezembro de 2016

POR UM INSTANTE


Há muita força em qualquer coisa natural.
Coisa é ser sem nome mesmo.
E não ter nome não é demérito, mas liberdade.

Há muita força na monotonia dos peixes,
miúdos peixes que me prendem a atenção,
à beira d’água, marulhos vagando no silêncio.

Observo a condição dos homens,
espécie atônita da qual faço parte,
e vejo coisas presas a nomes.

Tenho pena de nós,
cegueira implacável
cultuada como a um deus.

(Mas deus de que mesmo?!)



│Autor: Webston Moura
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quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

AO HOMEM SISUDO DESESPERANÇADO

Amargo coração,
este que armadilhas
nas alamedas do livro-de-rosto.

Escuta, pois, Nana Caymmi.
Deixa que te tome a isenção dos pássaros.

A correr na nudez das praias,
pessoa, só pessoa,
esquece-te de ti!

Não estarás aqui quando o sol despedir-se.
Sequer beberás champanhe no dia mais outro,
aquele imaginado para além, muito além.

Assim, como podes, escuta Nana Caymmi.
Aprende, marujo, a deitar carga ao acostamento.

Num monte alto,
escolha que podes,
recita a poesia de teu gozo.

Escuta o vento.
Aprende a tristeza, sua lição de disciplina,
                                   não seu remoer de dor.


│Autor: Webston Moura
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terça-feira, 6 de dezembro de 2016

UMA TARDE E ALGUMAS CONFISSÕES

Ouvindo Pequeno Mapa do Tempo
e praticando meu plano de fuga.




Você é a cidade deserta.
Cheguei tarde, depois da explosão.
Havia idade em ti, outro tempo,
e você era o algodão doce, a meus olhos.
Meus olhos mesmo eram o acolhimento,
ainda não haviam sentido o infortúnio.
Viam, sem aspas e sem receios, o abrir-se
de cada coisa que, pura e nova, era tão vida!

Você é a cidade saqueada, agora taciturna.
Cheguei tarde, depois do atroz.
Ao cimo de um poste, presbítero de reveses,
um negro pássaro espreita minha figura de sol.
Talvez se apiede de não poder me ajudar.
Nem canta, nem se mexe, nem nada.

As quatro estradas vão dar aonde?
Não há placas, sinais, indicações.
É quase noite, preciso seguir.
Você, que os tolos não concebem,
ausência que se corporifica no que restou,
é a cidade de um talvez-futuro,
quando retornará numa estrela azul-arcano.
Por ora,  apenas a cidade deserta no meu coração.


│Autor: Webston Moura
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domingo, 4 de dezembro de 2016

PARA ALÉM DA TUA BANDEIRA



Desconfio da tua isenção
─ os tempos são duros,
o mundo é múltiplo-caótico
                      (como sempre).
Atenha-se, módico amigo,
a pensar um pouco!
Há vida, para além da tua bandeira
(teu fígado falante e assoberbado).
Ontem, éramos mais que essa trincheira
estendida por sobre as nossas palavras,
os nossos atos e as nossas esperanças.
Hoje, malquistos mutuamente,
espreitamos, cismados, atrás de muros,
e somos menos, exceto em agonia.

Repara que o teu incêndio parte das tuas mãos.
São tuas palavras, empreiteiras de mundos,
os frutos que fabricas contra ti e contra tudo.

Queres guerras?
Quero leveza.
Não me resolvo em trânsitos de não-se-chegar
                                                           a lugar algum.

E estou sempre em voo.


│Autor: Webston Moura
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sábado, 3 de dezembro de 2016

O TEU INCÊNDIO

O incendiário
vos convida
a apagar o fogo.



Não fui eu!
Não me culpe da cobra que te morde,
da febre que te consome e te argumenta,
do x que não se revela na tua equação.

Não me queira (aziago) anunciando
a vitória futura sobre os inimigos da tua lavra.

Não me esfregue ao nariz a centésima teoria
de como melhorar o dia, o café, a economia.

Não me chame para assinar o manifesto
de ser bom e funcionar mediante a tua regra de ouro.

Não chore, não grite, não se iluda!
Não tente atear ódio aos rios!
Não ouse, entredentes, Mercedes Sosa!
Não cante Let it be como se náusea fosse.

Diria um profeta, se profecia isto se dissesse:
                                         Ah, vai tomar banho!

Recua tua língua da minha calçada,
da minha varanda, da minha reza!

│Autor: Webston Moura
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sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

ENQUANTO ELA VOA

Desses guetos aí porta afora,
do fundo de pequenos quartos,
da sombra de qualquer alpendre,
do interior de um ônibus,
de todos os esconderijos,     
alguém quer poesia,
captura-la, senti-la, fazê-la



                         enquanto


ela
                              

                                  voa,


como se houvesse



        ─ e há ─



espaços em branco
(vazios sagrados)
no tumulto do mundo.

Nada pergunte.
Apenas saiba que nem todos
estão para as rações ordinárias.



Há os que amam.
Quietos que sejam, há.




│Autor: Webston Moura
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QUERO LEVEZA



Sea channel with lighthouse (1873) - Ivan Aivazovsky





A notícia suja meus olhos.
O volume, a reverberação,
a comoção, unanime e planejada,
o todos juntos, quer no ódio ou no amor,
tudo isso é política e propaganda.

Quero a leveza, a suave tatibilidade,
o olho que olha e vê, sem espasmos,
o beijo, a brisa, a lua lenta, quero-os.
E, assim, como se vai devagar um barco,
quero-me invisível ao horror geral,
à cena, ao espetáculo do presente,
ao tumulto de opinar e sofrer impugnação.

Desejo rever relâmpagos;
ter meus olhos de volta.
Desejo acordar do viva-voz,
da excelência tech que me priva
de sentir a minha carne.



│Autor: Webston Moura



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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Caderno Livre e Só Um Transeunte.
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quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

OS HOMENS DE BEM

De bem, os homens,
aparentemente limpos,
de terno, gravata e sapatos,
no ar-refrigerado máximo,
à sombra de dias plenos,
discursam, sérios e eloquentes,
gesticulam, aparteiam-se, cutucam-se
                                           ─ e nos traem!

De bem, os homens
nos apresentam esposas,
filhos, amigos, agregados,
tradição e honra.
Frequentam igrejas,
admoestam, instruem,
insinuam comoções,
agarram-se à bandeira
e aos bons costumes
           ─ e nos pisam.

De bem, os homens,
à direita ou à esquerda,
desejam empreender um país
em que sejamos melhores,
sorridentes, diligentes, criativos,
pacíficos, contentes, superiores
                             ─ e nos cospem.

De bem, os homens,
cavalheiros do tempo-hoje,
em toda a santidade
de condutas ilibadas
(V.Exª me respeite,
que aqui nesta casa....),
andam sobremodo a nos amar,
amantes que o são da pátria e do povo
 ─ e nos matam, devagar, bem devagar.

│Autor: Webston Moura
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PATERNIDADE AVESSA QUE NOS FAZ ÓRFÃOS

Indicativo do presente,
um samba desafinado,
um amor desacatado.



Nosso país é um labirinto:
impossível a porta.
Para um mesmo dia,
acordamos.

Nas ruas, o temor;
nada é seguro.
Temos medo da criança
que se aproxima e estende os olhos
(será que está armada?)

Contamos os corpos,
as contas, as frustrações,
as doses no bar, as cores desvairadas
com que nutrimos a incógnita Brasil.
E isto nos habita, insuportavelmente,
como um louco habita um porão,
segregado da saúde dos homens de bem.

Nosso país:
paternidade avessa que nos faz órfãos.

│Autor: Webston Moura
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segunda-feira, 28 de novembro de 2016

EM OLHOS DE ARDÓSIA

Do sertão, infinita noite:
açafroada lua ressoando azul;
o silêncio viril em que um pássaro
─ anjo de cobre, olhos de ardósia ─
enovela-se no ar (orvalho suspenso)    
e canta num triz sua voz de aviso
passo por aqui e chamo aos vivos.



Um menino anda
na estrada poeirenta.

Quem vem lá?
Um sem-nome, um vulto.
Quiçá um dia se saiba
do que lhe ocorre
entranhas adentro,
sua força medida
em cada pulso,
seus olhares ternos
para a estrelas,
e este dia ido
em olhos de ardósia.


│Autor: Webston Moura
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