sábado, 29 de fevereiro de 2020

ETERNIDADE



Aguarela: Into The Mystic, de Sarah Yeoman


Sempre vivemos para além
da memória
apesar do lapso apunhalando o tempo

Porque antes fomos
connosco noutra hora, e agora
voltamos quando já nos esquecemos

Onde fica a fissura, a brecha
por onde passámos
a chegarmos de novo ao nosso presente

Infringindo as regras das horas
improváveis
hoje igual a ontem, já inexistente

Partimos e tornamos na nossa
eternidade
assim a repeti-la num infindo repente

Perdidos um do outro sempre
a regressarmos, revertendo
a queda que nos ata e desprende

Onde está o estilete de cravar
no peito, onde está
o incêndio, onde está o veneno?

Tanta imprudência que jamais
revelamos, calando
um ao outro aquilo que queremos

Fugaz a madrugada volta a luzir
no espaço, entre o prazer
aceso e o lento segredo

Efémeros os sentimentos
que depois se refazem
como se dissolvem as paixões ardentes

Apesar das tormentas,
para sempre voamos
século após século no ressalto dos ventos


│MARIA TERESA HORTA, in ESTRANHEZAS (D. Quixote, 2018)

ODE À CONSTIPAÇÃO



Técnica mista ©Andrea Harms


Dr. Bayard vou-me suicidar com Vicks
viver é sobreviver a uma criança constipada
a Aspirina não cura as dores da alma
a literatura inclusa não basta
ingerirei também rebuçados do Dr. Bentes
e pastilhas Valda


│Autora: Adília Lopes

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

MARAVILHA



Cosmos Nº 2 -  Martha Boto



Se meu coração te encontra,
concentra estas águas dispersas
e as faz ordem, lagoa, pouso.

Se meu coração te encontra,
deito ao lado a bagagem
e corro na chuva.

(Você se lembra de quando era livre?)
Autor: Webston Moura│



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O BARCO



Menhir II - Sheila Hicks


Vai um pequeno barco ao mar.
Olho-o, demoradamente, e ele segue.
Volteia, longe, um ponto na névoa da umidade.
Frágil, mas suficiente, não vira, tampouco afunda.
Sabe equilibrar-se lá e cá, como se dançasse.

Acompanho-o até o fim, para perder-me de mim
e ter, novamente, o nascer das coisas.


│Autor: Webston Moura│

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

O GATO



Cats - Franz Marc


Vem lá o gato e passeia, olha,
come e bebe, depois vai-se, cauteloso,
pata aqui, pata ali, um salto,
muro este, muro aquele,
um telhado, some-se.
É perigosa sua vida:
cães e humanos o observam.
À noite, se preciso, briga com um igual,
bate, apanha e amanhece sisudo, cara de ressaca.
Em geral, faz silêncio.
E seu olhar me examina,
parece me inquirir desta minha vida acostumada.
Bem queria, imagino, convidar-me a sair por aí
e, tarde, olharmos o luar
quando o mesmo desce pelo orvalho
em tons prata e azul.


|Autor: Webston Moura|



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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Araibu e Só Um Transeunte.
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AMARES



Não rever
a figura humana
trazida
em berço
ou barco

saber do desencontro
começado hoje

não sentir tristeza
da saudade vista
em seus olhos

o esquecimento cobre os passos
desajustados dos não amantes
inconfessados em tempos
vazios de humanidades.

(Pedro Du Bois, AMARES)

│Do blog do autor: http://pedrodubois.blogspot.com/

A BELEZA



Still Life Flowers - Gregoire Boonzaier



Porque a beleza existe e carecemos vê-la.
Num boi, no vento, na umidade da escura noite,
na passagem da vida à secura destas flores que agora vicejam.

│Autor: Webston Moura│

O SEMEADOR



The Sower - Ivan Grohar


Alarmam-se os pássaros em redor, mas sem real perigo.
O chão, endurecido de sua espera, recebe as sementes,
mas ainda mais: a súplica esperançosa da mão que o toca.
O homem, semeador que se põe, anda o dia inteiro na função.
Névoa, sol, mês passado, manhã seguinte: futurar é preciso.
Sabe-se que a terra gosta disso e, se calhar, até se alegra.
Ao homem o labor que o espera e, amanhã, a alegria da colheita.


│Autor: Webston Moura│

A CASA



Voltar à casa que outrora fomos;
rever seus espaços, um a um;
relembrar as tardes e os fins de ano,
as férias, algazarras, as noites de chuva.

Abrir o álbum e fazer silêncio
enquanto ventos remanescentes
varrem o carnaubal.

│Autor: Webston Moura│

sábado, 8 de fevereiro de 2020

Blimunda # 91 – janeiro de 2020




A primeira Blimunda deste ano dá espaço ao trabalho do ilustrador português José Feitor. Também merecem destaque: um balanço da década na área de livros para os mais pequenos e as publicações infantojuvenis que prometem marcar este começo de ano. Na Saramaguiana, uma crónica de José Saramago e um texto em sua homenagem escrito pela professora e tradutora Dulce María Zúñiga. Façamos, com as nossas mãos, um bom 2020

│Do website da Fundação José Saramago: https://www.josesaramago.org/

NOTÍCIA DE JORNAL RELATA A GRANDE INCINERAÇÃO DE LIVROS DO ESCRITOR BAIANO JORGE AMADO



https://www.facebook.com/iconografiadahistoriaoficial/


O ato ocorreu a mando do interventor do Estado da Bahia, em 1937, período ditatorial conhecido como Estado Novo.

Em 1937, Getúlio Vargas implantou uma ditadura no Brasil, usando como justificativa para o autogolpe um fajuto documento denominado "Plano Cohen". A farsa se sustentou através de várias ações simbólicas do governo federal e estaduais. Para provar que o Brasil estava combatendo o pensamento comunista, o recém empossado interventor da Bahia (uma espécie de governador), com permissão do próprio Vargas, mandou incinerar 1827 livros, na Praça Cayru, Avenida Contorno, em Salvador. 90% das obras queimadas eram do escritor baiano Jorge Amado, que acabara de lançar, naquele mesmo ano, sua obra mais conhecida: “Capitães de Areia”, a história de um grupo de garotos de rua abandonados pelo Estado e convivendo com a imensa desigualdade social e pobreza típicas de países pobres. Além de outras obras do autor, também foram destruídos na fogueira da ignorância livros de José Lins do Rêgo, que nem era filiado ao Partido Comunista, obras de Graciliano Ramos, autor que posteriormente seria preso pelo regime.

Aos gritos e movidos pela euforia e felicidade, muitos brasileiros comemoraram a incineração das obras, sem perceber o perigo que é uma sociedade queimar livros, pois todo caos começa incinerando ideias, para, posteriormente, queimar pessoas.

Texto - Joel Paviotti
│Da página Iconografia da História: