segunda-feira, 4 de março de 2024

POEMA DO FECHO ÉCLAIR







Filipe II tinha um colar de oiro
tinha um colar de oiro com pedras rubis.
Cingia a cintura com cinto de coiro,
com fivela de oiro,
olho de perdiz
Comia num prato
de prata lavrada
girafa trufada,
rissóis de serpente.
O copo era um gomo
que em flor desabrocha,
de cristal de rocha
do mais transparente.

Andava nas salas
forradas de Arrás,
com panos por cima,
pela frente e por trás.
Tapetes flamengos,
combates de galos,
alões e podengos,
falcões e cavalos.

Dormia na cama
de prata maciça
com dossel de lhama
de franja roliça.
Na mesa do canto
vermelho damasco
a tíbia de um santo
guardada num frasco.

Foi dono da terra,
foi senhor do mundo,
nada lhe faltava,
Filipe Segundo.
Tinha oiro e prata,
pedras nunca vistas,
safira, topázios,
rubis, ametistas.

Tinha tudo, tudo
sem peso nem conta,
bragas de veludo,
peliças de lontra.
Um homem tão grande
tem tudo o que quer.
O que ele não tinha
era um fecho éclair.


*
Autoria: ANTÓNIO GEDEÃO, in POESIAS COMPLETAS (1956-1967), prefácio de Jorge de Sena, (Sá da Costa, 1987); in OBRA COMPLETA DE ANTÓNIO GEDEÃO (Relógio d’Água, 2004; 2022)

*
Boletim Dep. Química-helium.fct.unl.pt
*
Nota: Filipe II teria de viver até aos finais do Séc. XIX para poder ter o seu fecho éclair 😊

*
Fotografia © Ishan Shah-unsplash
*




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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Caderno Livre e Só Um Transeunte.
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O Movimento



Kinetic Object (1999) - Abraham Palatnik



O movimento
           desloca,
cria ordem e
de
    so  r
           dem,
retira da pausa
o músculo
e a língua,
              distribui
               o corpo
          pelo tempo,
refaz o espaço,
queima nosso olhar de vida.

O movimento,
se bem olhares,
não para - nem existe!

Peixes eletrizados,
mulheres,
carros,
nuvens,
aminoácidos na digestão,
                     a espera,
o grito,
o silêncio que se arrasta na folhagem sob a lua,
o beijo,
formigas devorando a presa,
nada lhe escapa.


|Autor: Webston Moura|


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sábado, 24 de fevereiro de 2024

Fazer Nada



Dolce far Niente (1904) - John William Godward




Nada que se tem às mãos,
como matéria de se estar.


Deixar os outros à sua mercê,
selvagens e puros, se puderem.

O vento açoita as cortinas das janelas - é viril.
As águas penetram o antes impossível.

Tudo se fecunda,
começo, meio e fim.

Estrelas nascem na imensidão do assombro.




|Autor: Webston Moura|

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sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Enquanto Escuto Andrea Doria



Antique Legend (1929) - Samuel Mutzner



Daqui em diante,
as cores se diluem
no céu.

Em poucas palavras,
tudo o que se precisa dizer
                               - e se diz.

Depois,
quando a manhã chegar,
nada mais que a lembrança,
já também se transformando,
                                        restará.

Nada Mais vai me ferir
É que eu já me acostumei
Com a estrada errada que eu segui
E com a minha própria lei
- Andrea Doria, da Legião Urbana no álbum "dois



|Autor: Webston Moura|

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Despedida



Farewell (1914) - August Macke




Aceno que se amiúda,
com o trem partindo;
pessoa que fica,
pessoa que vai.

A mão no ar estendida,
agitando o gesto,
agora pouco;
a distância o consome.

A vertigem da viagem,
o silêncio de quem fica,
separação.

Lembrança, lembrança, lembrança, lembrança, lembrança...




|Autor: Webston Moura|

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Isto



Cadences (2001) - Charles Bezie



Isto.
Não o outro.

Isto.
O distante, não.

Isto: a mão que se aperta;
         os olhos sob a luz;
         o copo d'água;
         um retrato próximo;
         este botão nesta camisa.

Isto.
         E aponta-se para alguém
         o objeto em questão,
         esperando concordância.

Isto,
ainda que obscuro,
é este algo colocado a nós,
pé ante o chão de adiante,
porta - ou nem tanto.




|Autor: Webston Moura|

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domingo, 11 de fevereiro de 2024

Curso Livre - O que ler para entender a América Latina - Aula 1, com Nildo Ouriques





Este vídeo faz parte de uma playlist: lopi876eATG653. Foi retirado do canal do Instituto de Estudos Latinoamericanos - IELA

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sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Manhã à Beira-Mar



Morning by the Sea (1996) - Maria Bozoky




Manhã à beira-mar.

Longe.

Bem longe!

Com intervalos de percepção
que envolvem várias respirações.

E pensares sem peso.

Uma mulher.
Só.

Sem guerras,
sem mais intenções
que não seja estar.

Estar.
No presente.

Enquanto tudo canta
                           na luz.



|Autor: Webston Moura|




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PALAVRAS ESTRANHAS NUM LIVRO ANTIGO



Window (1994) - Maria Bozoky




Há esta noite,
             agora.

E nada mais importa.

Pingando na janela,
o tempo finge displicência.

Quando muito,
só o vento e os cães
habitam os ares,
entre insetos e sombras,
entre orvalho e brisa.

A luz,
sem ira,
costura sua lentidão.

                    num livro antigo.



|Autor: Webston Moura|




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