domingo, 29 de maio de 2016

DE PASSAGEM



Eu realmente me canso de te ver repetir normas a seguir, normas a quebrar. Para construir ou demolir mundos, sou pouco. Estou de passagem, e o tempo é curto. De camisa azul-claro e calça jeans, não preciso de mais que algum era uma vez e a liberdade de caminhar por aí, sem atentar para o último round entre gregos e troianos. Não leve tão a sério o que pensa. O tempo te dirá o contrário, um jogo infinito de possibilidades, que você, talvez, não queira enxergar. Olha: na janela daquele andar, um vaso que não vai cair. É a vertigem que te deve impulsionar; não o medo de não conseguir controlar o movimento das coisas. E eu só preciso de um drink e de uma verdade que não se pronuncie como um mandamento ou um chamado para uma guerra. Você desaprendeu a pulsação de Down to the Waterline. Você desconsidera abrir as janelas. Deixou uma gramática ofendida nascer entre as nossas palavras.



[Tinha medo. E o tinha como a um tesouro.
Cuidava-o, como a uma horta se cuida.
Tinha os dedos gastos uns nos outros;
as mãos, entre si, cerradas,
fecho de aço que não se quebra.
Tinha a boca seca, as íris abrasadas
e a mais incrível saudade de uma palavra,
que poderia ser qualquer uma,
se possibilitada no bem.]





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NOTA:
1. Down to the Waterline, escute-a aqui [https://youtu.be/]

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│Autor: Webston Moura
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sábado, 28 de maio de 2016

cão

as pulgas pululam
dorso
dores
alma
do meu cão

as pulgas se banham
no sangue
sugado
do meu mísero cão

pulgas não fugazes
iscas de mares
desertos
no olhar triste e insólito
do meu cão

a guarda fica pra depois
meu cão vagueia em passos trôpegos
de uma carruagem perdida

meu cão
branco é o seu olhar de solidão


│Autor: Oreny Júnior
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Oreny Pires de Sousa Júnior é natalense, filho de seu Oreny e dona Zefa. Viveu da infância à adolescência nas ruas e morros da Cidade da Esperança. Nesse bairro conviveu com músicos e poetas. A vida malvada o tangeu do bairro, lançando-o nas estranhas desse país trecheiro. Nesse exílio, necessário de doloroso, catou seus poemas no pedregulho da vida sem o uso de luvas. Alguns foram retirados a fórceps de suas entranhas. Agora, estão aqui, gritando neste livro. [Janilson Carvalho – Professor]

A espera

Até a esperança
a gente espera.

Espera-se o sol,
espera-se a lua,
as estrelas,
a rosa se abrir.
a raiva sumir,
o ônibus passar
e o povo subir.

É muita espera.
Tem o médico,
o exame,
o horário do programa,
o telefone tocar,
o frio passar
e o amor chegar.

Mas, um dia,
até a morte
a gente espera.

Melhor vir de surpresa,
nada de espera.
Só viver
e deixar tudo
acontecer.


│Autora: Maria Dona
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Maria Dona, desde sempre Doninha, nasceu em Pau dos Ferros (RN), em 1945. Foi aluna interna do Patronato Alfredo Fernandes, na época em que os pais ainda residiam na zona rural, e fez parte da primeira turma do Ginásio 4 de Setembro e do Curso Normal de Pau dos Ferros. Depois, estudou Pedagogia na Universidade Estadual do Rio Grande do Norte – UERN – Mossoró, tendo sido presidente da República Universitária. Trabalhou como coordenadora pedagógica em Mossoró, enquanto servidora da Secretaria Estadual de Educação. Em 1998, quando se aposentou, passou a morar em Natal. É esposa de Durval e mãe de Anna Cecília, Sérgio e Mara Regina, além de ser dona de um jardim com roseiras. Seu passatempo predileto é ler e escrever. Participa do grupo de canto Unidos em Cristo e do coral feminino Santa Cecília. Desde muito tempo tem escrito, mas só agora, com o incentivo e o apoio dos filhos, publica o seu primeiro livro.

quinta-feira, 26 de maio de 2016

Densidade



Picture with a black arch (1912) - Wassily Kandinsky




Em silêncio, disponho do trânsito
                                   em meu corpo:
                                     o sangue que, 
                                                    livre,
                                                 circula.

Mas, não apenas.

Navegam-me cavalos
advindos de tardes
em que, longe, ia-me.

      Ali, no ar, mar em brisa,
      avencas e álamos rumo
      ao nome incógnito da mulher.
      Ali, no ar, o brando dorso do sol
      a derrear-se na face avistada,
      e que eu, sem mais,
      como quem conjuga simplicidades,
                                 chamava de mundo.

Em silêncio, disponho
do trânsito, essa música
de perfeita eletricidade,
corpo no presente,
densidade para além do tédio.

Exerço o meu poder,
consistência expressa
na palavra liberdade.


|Autor: Webston Moura|

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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Araibu e Só Um Transeunte.
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quarta-feira, 25 de maio de 2016

Aquário



Aquarium (1923) - Jindrich Styrsky




No que tem de belo,
os aquários:
pérolas flutuando.






Em câmera lenta, chega à piscina.
Para e retira o roupão branco.
O corpo ─ e não um esboço ─ surge:
um biquíni passando
por trás da pilastra
até o outro lado,
enquanto seu olhar,
em ré,
observa (o que?).

Devagar, decidida e delicada,
desce até a água chegar à altura
da cintura, um pouco mais,
um borrão, braçadas leves,
corta para o fundo
azul, azul, azul, azul, azul.

Seus olhos, melancolia feliz,
são, em avelã, o furta-cor
na timidez discreta
dos castanhos meus.

Em que língua,
com a devida musica,
cantar-se-ia aquário
senão na sua?


Autor: Webston Moura

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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Caderno Livre e Só Um Transeunte.
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A ALGAROBEIRA




Dá-se bem com a rudeza

da terra em que se ergue.
Rudeza da pouca água
com que vive e não padece.
Entre severos, acresce
de força sua beleza.
Austera, sua imagem;
seu fruto, uma vargem doce
com que o boi se abastece.
Dizem dela: estrangeira
que aqui se assentou,
como se fora daqui
sua nascença de sempre,
tal se nota em seu destino
o nordestino vigor,
o mesmo do lavrador,
aquele que conhecemos
por um nome mui comum
(Antonio, Pedro, Clemente
─ homem de sol e labor).

Algarobeira, seu nome.
E é preciso guarda-lo
vivo e direto na árvore
bem mais que nos dicionários.


│Autor: Webston Moura


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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Caderno Livre e Só Um Transeunte.
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