segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Eco



Vagas são as promessas e ao longe,
muito longe, uma estrela.

Cruel foi sempre o seu fulgor:
sonâmbulas cidades, ruas íngremes,
passos que dei sem onde.

Era esse o meu reino e era talvez essa
a voz da própria lua.
Aí ficou gravada a minha sede.
Aí deixei que o fogo me beijasse
pela primeira vez.

Agora tenho as mãos vazias,
regresso e sei que nada me pertence
─ nenhum gesto do céu ou da terra.
Apenas o rumor de breves sombras
e um nome já incerto que por mágoa
não consigo esquecer.


│Autor: Fernando Pinto do Amaral

sábado, 7 de novembro de 2015

ATÉ O JÚBILO DESFAZER-SE EM SUSPIROS




Seus olhos maus me ensombram
e seus lábios são sábados sem fim.

O dia certo?
Nem me lembro.
         (Chove,
           lá fora,
           lusco-fusco,
           final de tarde).

Como uma oscilação,
seu corpo reveste o quarto
ao tempo em que sua respiração
desafoga todos os sentidos-nãos
e os alecrina de alvíssaras.

Um ao outro, limítrofes,
ínsulas não mais, ou nem tanto,
desmontamos o talvez
até o júbilo desfazer-se em suspiros.


│Autor: Webston Moura

O PREÇO DA PASSAGEM


Em silêncio,
dependurados no metal frio
de gastas engrenagens,
nomes guardados no anonimato
da indigência e do abandono,
bovinas figuras que o Estado
e a iniciativa privada pisam.
Não estão a passear,
passageiros que o são
da rotina disciplinada a ferro,
indo ou voltando do trabalho.

Cansaços, medos, angústias.
Assaltos, assédios, abusos.

Pela janela,
veem a cidade passar,
toda ela sedutora e impossível,
atraente e horrorosa,
erguida contra qualquer sonho
que repouse nalgum crepúsculo
acalentador de trovas e poemas.

A um canto mais ao fundo
alguém dorme quase esquecido
de onde deve saltar: despercebe o trajeto;
                                                    apaga a vida.


│Autor: Webston Moura
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quinta-feira, 5 de novembro de 2015

ENQUANTO O SISAL AMADURECE O TEMPO


Eram todos livres,
mas apenas para gritar.

(E ninguém lhes escutava).

Num grande pátio feito para agonias,
o vazio de saber-se só com seu grito
e o nada-mais abundante
sob a bandeira erguida
a representar esta liberdade,
mas dizendo-se voz de outra,
aquela nunca atingida.

E, em mínimos intervalos,
amavam aos seus amores
ou o que deles restou:
a ainda, se possível, negra mulher,
que negras eram todas sob aquele ar;
a luz do candeeiro silhuetando o coqueiro;
a lua e suas metamorfoses;
um cão dormindo;
                     o sisal.


Eram todos livres
numa terra livre e incompreensível.
E suas línguas eram ditas dissolução.


│Autor: Webston Moura
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segunda-feira, 5 de outubro de 2015

TUDO É VÃO NO FRAGOR DE TODAS AS GUERRAS

Nenhum pássaro é avulso.
Tampouco seu voo ou o azul ao fundo.
Fui menino para guardar a lembrança
de que tudo isso é um milagre
e que, como o pássaro, as flores
não intentam vulgaridades.

No entardecer de minha existência,
agoniado entre meus semelhantes,
estes que se embatem por suas verdades,
já não sei se lhes passa ao coração
alguma réstia do que um dia
lhes possa ter sido o que,
                         sem medo,
ousariam chamar de criança:
aquele olhar sem mácula descobrindo o mundo.

Talvez,
estes que se embatem por suas verdades
nada mais possam que não seja a morte
que lhes acompanha enquanto compram carros
e tomam precauções e sedativos.

Tudo é vão no fragor de todas as guerras.


│Autor: Webston Moura
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quarta-feira, 30 de setembro de 2015

ENQUANTO O VENTO ME RUMINA


A casa vazia, o silêncio;
tudo é exílio e exceção.
A secura com que o vento tange,
suave, salmoura e lassidão.
A fotografia a parecer mais antiga,
um rosto, um sorriso, um janeiro.
A louça, na cozinha, em degredo.
Meus passos, seus sons e solidão.



│Autor: Webston Moura
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MIRABILIA, MIRAÇÃO


Você me sorri pássaros Me diz
Bálsamos e crisântemos Me ensina
Relâmpagos Me faz sonho raiz
Plantada em nuvem Sândalo neblina
Me transpira poemas tal Hafiz
Me esculpe a face em luz ou vento Assina
Na minh’alma com tinta d’água giz
Assobia azuis sombras opalinas
Me leva a passear em seus quadris
Me perfumam seus olhos Me calcina
Sua presença seu ventre-motriz
Você me voceíza predestina
Me comunga me francisca de assis
Me sana milagra desassassina



│Autor: O Poeta de Meia-Tigela

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# Poema transcrito de um cartão postal, gentileza d’O Poeta de Meia-Tigela (Alves de Aquino).

# O Poeta de Meia-Tigela está na segunda edição de Kaya [revista de atitudes literárias]:
● A Noiva [O Poeta de Meia-Tigela]
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O POETASSILGO



O poeta, o que ele é? Uma andorinha.
Parente da cigarra,  descendente
da flauta, do trovão, da fontainha.
O poeta é o quê? Som virado gente.

O poeta? Invenção da Carochinha.
História de Trancoso, pretendente
com Dom Ratão à mão da Baratinha.

O poeta é quê? Cérebro que sente.
Sente dó do diabo e se avizinha
do solitário asceta da montanha.
Convida o Barba Azul pruma festinha.

Poeta? Abraça o cacto, acarinha
Baiacu, porco-espinho, ouriço, amanha-os.
O poeta, o que ele é? Uma avezinha.


│Autor: O Poeta de Meia-Tigela

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# Poema transcrito de um cartão postal, gentileza d’O Poeta de Meia-Tigela (Alves de Aquino).
Blog do autor: http://opoetademeiatigela.blogspot.com.br/

domingo, 27 de setembro de 2015

Memória


Para Inês



Aprende o infinito, recupera
a distraída bússola da alma
pouco a pouco sonâmbula, o exausto
sabor da tua vida enquanto é mais
que um recado de lume no teu corpo,
que a promessa da febre no teu sangue,
e aprende sobretudo a suspender
o tempo quando abraça quem morreu
só pra ressuscitar dentro de ti
ao cumprir a memória incandescente
dos dias que o amor transforma em meses,
dos meses que o amor transforma em anos,
dos anos que o amor rasga e entrega
ao rosto azul do céu e destes versos.

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# Poema constante de "Poemas Escolhidos", de Fernando Pinto do Amaral.

A rã da fachada



“una de las cuatro luces que alumbran al mundo”
Papa Alexandre IV, em 1254,
sobre a Universidade de Salamanca


Situada às margens do rio Tormes, a espanhola Salamanca é cognominada de “pequena Roma” pelo rico patrimônio histórico que ostenta. São emblemáticos os seus edifícios, monumentos, praças e igrejas. A Universidade, com quase oitocentos anos de existência, também figura nesse rol, com galhardia.

Em 1218, o rei Afonso IX fundou a Universidade de Salamanca. Poucos anos depois, o Papa Alexandre IV declarava que a instituição era uma das quatro luzes que iluminavam o mundo, junto com as universidades de Oxford, Paris e Bolonha.

Há registro que, em 1584, por exemplo, nada menos que 6.778 alunos assistiam às disciplinas ministradas em suas salas. Todos almejando conquistar seus títulos de licenciados ou doutores. E eram estudantes de todas as partes do mundo, demonstrando que a influência de Salamanca já não se limitava ao continente europeu. Comumente vemos citados nomes ilustres que passaram por seus bancos.

É plausível que nos seus longevos corredores, ou nas ruas da cidade, escutemos histórias que o tempo trata em transformá-las em lendas, fábulas, folclore ou, por vezes, terminam incorporadas à cultura organizacional. Conto-lhes duas.

Naquele afã dos primeiros dias em conhecer a urbe e seus encantos, todos somos levados a contemplar a fachada do prédio antigo da universidade. É cena comum, a qualquer hora do dia, encontrarmos um grupo de turistas, ou de estudantes, admirando o belo frontispício Plateresco (estilo típico do Renascimento espanhol), cuja edificação foi concluída no início do século XVI.

Não sendo especialista, fica até difícil traduzir em plenitude a beleza da obra. Mas, mesmo com visão leiga, arrisco passar-lhes algumas poucas informações. Bem, imaginem a frontaria de um edifício, com altura compatível a mais ou menos cinco andares, como se fora um tapiz de pedra, dividido por colunas e frisos e com uma enorme quantidade de detalhes esculpidos. Pois é a impressão que temos ao olhá-la. Existe até uma recomendação de que devemos ficar posicionados há uns seis metros de distância, para melhor visualização.

Além do alumbramento com a formosura arquitetônica, a conversa predominante quando das visitas à ‘fachada’ é a localização da rã. Isso mesmo. Existe certa disputa para ver quem localiza esta, em meio a tantos quiméricos objetos que ornamentam aquela. A explicação para a presença da lendária rã remete a questões simbólicas e religiosas da época da construção do sodalício, mas não iremos adentrar a tal alçada, para não tornar-se enfadonho.

Porém, a fábula gira em torno das ‘alternativas’ do que ocorrerá com quem encontre, ou não, a rã: uns dizem que o estudante que não encontrá-la, logo na primeira visita, não se dará bem no curso. Outros brincam com os turistas, dizendo que se os mesmos não lograrem êxito na busca, não terão sorte na viagem.

Outra interessante história envolvendo a Universidade, de cunho menos mítico, diz respeito ao ‘Victor’ (do latim victor, vencedor) — símbolo de vitória —, que é facultado ao estudante pintá-lo, junto a seu nome, em uma das paredes da instituição, ao concluir o doutoramento.

Atualmente a pintura é feita com requinte, técnica e, claro, tinta apropriada. Mas nem sempre foi assim. Nos primórdios, era costume que o concluinte brindasse sua conquista com uma festa, sacrificando um touro para a referida comemoração; e o sangue (misturado a alguma substância, creio) desse animal servia para ele e seus companheiros escreverem o ‘Victor’.

Ainda hoje é possível, em algumas das seculares paredes, observarmos decifráveis manchas das pinturas de antanho, que teimam em resistir ao tempo. Contemplando, tanto os símbolos antigos como os novos, particularmente, é inevitável não lembrar-me do grande Machado de Assis – Bruxo do Cosme Velho –: “Esta a glória que fica, eleva, honra e consola”.

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# Crônica constante de "Cartas de Salamanca" (clique "aqui"), de David de Medeiros Leite.

Outro instante não houve


Outro instante não houve em tua vida
fora do longo e lúcido momento
em que regavas as palavras vindas
do lago azul dos vales araucanos.

Um instante não houve, camarada
em que afastasses a tua voz
do sussurro da floresta antiga
e do ruído das estações de esperança
sempre despedidas. E perseguidas sempre.

Providencial operário e artífice:
forjaste o sino vibrante que dobra
sobre os tetos da pobreza
e retine na alma americana
em toques infindáveis.

Poeta,
acepta nuestra copa,
maduro vino de la tierra amanhecida.
Campanas solidarias
en las minas, em la pampa, em los cerros,
em todas partes repercuten las palavras
antiguas y nuevas de flor ya sangre.

Rosas blancas alzadas al cielo
una bandada de palomas
Saluda el Tiempo Nuevo.


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# Poema constante de "Neruda: canto memorial" (Imprensa Universitária, 2004). Website do autor: http://www.lucianomaia-memoriadasaguas.com/


│Autor: Luciano Maia