sábado, 21 de dezembro de 2024

O Cão Abandonado






É triste o cão na rua. A fome e a sede o tomam. Seus secos olhos doem. Anda devagar, tem medo. Sua fragilidade atrai os agressores. Vive assim desde sempre. Abandonado, vai e vem. Encontra aqui uma comida. Ou o que restou de uma. Bebe a água que lhe dão. Ou a que, suja, encontra. Em geral, não o vemos. Ou fingimos. Ele é a denúncia de que nos tornamos fracos. Fracos porque insensíveis e cínicos. Ele, se pudesse, seria o nosso cão. Seria mais, seria irmão. Ele, se pudesse, faria do abandono apenas uma palavra, nada mais que uma palavra.


|Autor: Webston Moura|

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Imagem: Depositphotos
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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Caderno Livre e Só Um Transeunte.
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segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

O Inevitável




A Vitória do Inevitável (1970)
- Jules Perahim



O inevitável me desafia
a aceitar o destino.

Contrariado, escondo o rosto da luz
enquanto costuro a necessária resignação.

O inevitável, às vezes, me faz chorar
ou, simplesmente, perder o sono.

Mas, se com ele aprendo
- pois é inevitável aprender -,
passo a saber, cada dia mais,
sobre meu poder, que é outro,
não este de tentar domar o inevitável,
o destino das coisas que hão de ser.

|Autor: Webston Moura|

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A Gentileza

Diz o dicionário que a gentileza é a capacidade de ser amável, cordial, generoso. Isto contraria a estupidez, a agressividade e o egoísmo.

Agir com gentileza é, então, preservar o melhor nas relações, respeitando a dor das pessoas, respeitando sua integridade, suas buscas, suas vidas. E é um caminho de mão dupla: dar e receber. Gerar.

O que as virtudes expressam, ainda mais num mundo cheio do contrário, parece ingenuidade. Mas só o serão se forem aplicadas ao lugar errado, pois mesmo as virtudes requerem a atenção de distinguir as intenções, os interesses, o que, de fato, está se passando. Isto para que não se seja tolo diante dos aproveitadores.

A pessoa gentil, se verdadeira mesmo nisso, não escapa de ser justa e firme, para evitar agir assim com o que lhe há de prejudicar.

Ser gentil é ser nobre. Como costume de uma sociedade, salva o melhor que o ser humano carrega.

|Autor: Webston Moura|

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Estranhas Figuras Na Paisagem do Areal



Figures In A Moroccan Landascape (1954)
- Brion Gysin



Longe,
estranhas figuras atravessam a paisagem do areal.

Estranhas não por o serem mesmo,
mas porque distantes de tudo o que eu possa tocar.

Os outros, se ainda mais outros, são novidades
às quais nem sempre estamos abertos.

E podemos estar bastante errados
quanto a isso.

|Autor: Webston Moura|

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sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

A Inocência



Landscape (1976) - Petre Abrudan


O inocente é o puro. Não que se possa ser inteiramente puro como se imaculado fosse. Mas, se possível, estar inocente de más intenções, procurar exercitar a vontade nisto, apesar dos convites ao erro e ao mal.

Em geral, orgulhamo-nos de outras qualidades, não destas como ser inocente e ser bom. A cultura geral, esta que vivemos em sociedade, é tão nociva e decadente que uma pessoa é capaz de orgulhar-se da esperteza que aplica em prejuízo de outras, já que a inocência e a boa-vontade não parecem lá muito vantajosas.

Mas, seja como for, necessitamos recuperar em nós a capacidade da inocência, como a da coragem, para podermos conviver melhor com nós mesmos e uns com os outros.

A inocência também nos serve para termos olhos de criança sobre a vida, o que é dizer ter abertura para a novidade. A alma insistentemente cismada, na defensiva, está fechada à novidade e, assim, à transformação, pois renunciou à capacidade de voltar a ser inocente.

A inocência, que não deve ser confundida com a tolice, é, sim, uma qualidade para se possa enfrentar a selvageria dos corações desta atualidade.



|Autor: Webston Moura|

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A Espera



Untitled (1974) - Clyfford Still



Às vezes,
dentro de mim,
a palavra não existe.

Só há o leve furor
de um coração desejoso
em dizer.

Às vezes,
dentro de mim,
o poema é só matéria em caos,
tempestade de sombras e baderna,
                         fala impossível,

Então,
espero.
Sem saber se virá,
espero.



|Autor: Webston Moura|

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quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

O Caminho



Untitled (1957) - Jimmy Ernst



A vida é eterna, diz-nos a sabedoria. E esse instante, que é esta vida aqui que estamos agora vivendo, é parte da eternidade. Isto nos faz pensar em algo sagrado e iluminado.

Gosto de acreditar nisso, mas não como uma ideia de "fuga da realidade", como se costuma dizer. Gosto de acreditar, pois, para mim, não faz sentido que tudo exista sem propósito, pois, se assim fosse, qualquer um de nós poderia escolher, sem culpa, qualquer caminho, qualquer verdade, qualquer coisa e transformar isto no seu (desastroso) propósito.

Gosto de pensar em níveis de evolução, níveis que envolvem a tudo, do inorgânico ao orgânico, com o espiritual ao fundo.

Gosto de pensar que nossas agonias e dores não serão eternas. E que, num instante adiante, especial instante, não teremos mais em nossas consciências - em nosso SER, digamos assim - os grilhões que agora nos prendem à ignorância.

Há os que acreditam que tudo é uma cilada, uma simulação. Não os incomodo. Todos nós teremos tempo para encontrar o caminho.


|Autor: Webston Moura|

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quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

A Chave




Fração n 4369 - Larry Bell


O segredo está no detalhe.
O detalhe, na dobra.
A dobra, no oculto.
O oculto, no escuro.

O segredo está na costura,
na intenção da origem,
sem fáceis mapas. 

O segredo está aonde teus olhos
ainda não criaram costume.

O segredo é o mistério que se esconde
no ordinário, no vulgo, no (supostamente)
banal, na fração do grão de realidade
que te escapa.

O segredo está dentro de ti
e na ameba, no raio de luz
                      da estrela
que não passa no teu céu.

O segredo é a chave
pela qual teu coração anseia.

|Autor: Webston Moura|

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