domingo, 21 de agosto de 2016

UMA GRINALDA NO AR

O dia exibe um deserto:
areia e pedra, infinitamente.
O céu, nudez azul.
Olhos nos faltam à sua magnitude.
Solitário é o peregrino.

Longe, cidade vazia,
rastro de parda criatura,
uma ilha depois de todos os fins.

A palavra que a isto descreve,
um arame estendido num zênite.

Dois antônimos pássaros
e toda a luz demasiada.

Uma grinalda no ar,
bailarina e veleiro.



│Autor: Webston Moura
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sábado, 20 de agosto de 2016

LICOR E PENÍNSULA

Vazia a praça,
as águas falavam.
Uma praça azul:
líquida e fêmea.

Como quem,
depois de dez anos,
retorna de alguma península esquecida,
perdia-me no ir e vir, volteando 
            ladrilho, ladrilho, chiclete, ladrilho,
            ladrilho, moeda, ladrilho... A torre!

A igreja, a mesma;
sua pintura, não.
Do outro lado da rua,
um bebê e uma mãe,
os dois em remanso.

Ladrilho, água, ladrilho, água.
Gosto de estar, depois de dez anos,
volteando a música licorosa na carne,
passado e presente, domingo e vazio.

Vazia a praça, porque para mim:
marujo e azul, domingo e vazio.

Vazia a praça
depois de dez anos,
ladrilho e chiclete,
licor e península.


│Autor: Webston Moura
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domingo, 14 de agosto de 2016

ESMERALDAS FLUÍDAS

Eu nada tenho a ver com os homens
que versam solilóquios de fins-de-mundo.




Correm as águas mansas, é madrugada.
O riacho é a maturação de uma calma adquirida.
Em seu cerne, as vidas de seres
que falam as suas próprias línguas
e exibem noites em seus corpos.
Seus olhos são líquidos
e suas escamas cintilam.

Correm as águas numa imaginada
tela de Marc Chagall.
Nela, sonha-se um andarilho que diz
ter sido navegante de viagens agradáveis.
Resta o carcomido casco de um barco,
agora moradia de esmeraldas fluídas.

Em redor... árvores.


│Autor: Webston Moura
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quinta-feira, 30 de junho de 2016

COM UM EQUINÓCIO NA BOCA

Tudo que se passa aqui
Não passa de um naufrágio



Frágil, a transparência do vidro.
Meu olhar se repleta de sua queda,
uma jarra posta sobre uma toalha branca
numa mesa escura de madeira antiga.
Ao fundo, uma janela também de vidro
que permite imaginadas e frágeis garças.
A jarra cai e se despedaça no chão.
Depois, o silêncio perpassado de luz,
os cacos aquietados e disformes,
a lembrança da harmonia anterior.

A vida, que assim se parece
(a vertigem antes das quedas),
amo-a como às flores fortes e rúpteis.
Dou-me a estes entalhes de palavras discretas,
as quais se possibilitam no mundo onde vivo,
para que não me possa desaparecer o gosto
de saber-me aqui, este aqui passageiro,
única terra onde vim ser bárbaro
e, simultaneamente, terno.

Escuto, em anil, uma voz de mulher:
       “Gosto muito da palavra equinócio,
         pois me lembra de coisas que não diviso
         senão com os olhos fechados.”



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NOTA:
1. A epígrafe são versos da música "Água" de Djavan, que se encontra neste disco: [link: https://youtu.be/]

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│Autor: Webston Moura
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quarta-feira, 15 de junho de 2016

ASSOBIAR UMA CANÇÃO PARA UM DIA LEVANTADO



A luz, excelsa em seu tranquilo passeio, deita ao dorso das folhas das caras-de-cavalo o que a meus olhos incidirá num verde-vivo. Ainda que a vida-de-todo-dia esteja maldita (nos noticiários, nas esquinas, nos lares), não posso adiar os pequenos milagres que me comovem, como esta luz e este verde, sumo e findável instante de passagem em que, vivo de uma vida plena, sinto. E, pelo visto, sentir tem sido um obstáculo para os que se alimentam de pressa e notícias, não para mim. Digo-te, amigo, que há um pátio num elevado de um prédio deserto de uma cidade sem nome. E, nele, um piano branco e alguém que toca. Digo-te, amigo, que há, em redor do pátio, vasos de barro, todos úmidos de frescor e de caras de caras-de-cavalo. A um canto, uma jovem de olhos cor de avelã cuida de um aquário e guarda sigilosos saberes das artes de amar. Ao erguer ao céu a suavidade de seu rosto, vê abrir-se em voo (de dentro de uma estrela) um pássaro. No ínterim deste conforme, sou todos os homens que carrego. E eles, súbitos e tranquilos, não sofrem, pois que sonham neste ressurgir, sem mácula. Renascem para um dia levantado a seu patamar de origem.



[Assobiava algo.
A princípio não compreendi.
Em seguida,
como uma cascata suave,
soou,
límpida,
a canção.
Dizia de uma aldeia
e de uma criança desaparecida.
Dizia de uma mãe em busca de sinais.
A isto dei de pensar sermos nós
aquela criança
vagando nos escuros da realidade
em busca de pão e do caminho de volta.
Por isso, e como não?, os sonhos.]





│Autor: Webston Moura
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sexta-feira, 3 de junho de 2016

UMA FLOR INÚTIL AOS ABUTRES OLHOS



Tumulto é o nome do mundo.
Vê que já não mais podemos
― corpos exaustos, exangue voz ―
supor esperanças sobre esta pedra.

E gritamos!

Na noite escura, tiros.
Mesmo o poema, suposta luz
em que à força de palavra-gérbera
se põe a fecundar alguma graça,
não pode contra o furor;
nada pode erguer senão braços enfermos
de nonsense e deslavra, ídolos de areia.

É findo o último azul.
E, ao fim da tarde,
depois de um dia-igual,
insolente e louca,
canta uma ave negra o seu negro canto,
arame estendido na eletricidade.

Eis a nossa casa, soez paragem
que se abarrota de notícia e caos.
Nela, estamos juntos, embora sós.

E gritamos!


│Autor: Webston Moura
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quinta-feira, 2 de junho de 2016

NA MOENDA DOS DIAS

Entre ossos, alguma graça.



Um ônibus atravessa meus olhos, como aos do cão cor de naufrágio, que também segue. A rua, interditada de perigos, já não me abraça senão de aflição e pressa. Quem vem lá? Um cidadão ou um desencontro? Uma senhora, lenta, carrega sacolas (medos, fardos, noites mal dormidas, alguma alegria) e, a custo, consegue distinguir o sinal ─ certo? selado? irrisório? Uma criança e sua mãe passam na outra calçada, e tudo é tão veloz na máquina de ir e vir, que paro, mas apenas na míngua de um lapso. O tempo passa, o tempo não passa. O relógio, meu pulso, meu suor, minha calça de quinta-feira, um cisco no olho, uma guimba, o poste, muros. Em redor, absolutamente, a cidade, sempre e incansável. Moro no mais tarde, depois das onze. O jantar: requentá-lo; comê-lo. Na TV, um homem frágil explica taxas e gráficos, coisas que não entendo. No silêncio, antes de dormir, sei que todos os amanhãs já se foram e que tudo é tão somente o cumprimento de uma rotina. Desligo a TV e me apago. Sono adentro, escutas noutro radar, ouço a moça estrangeira de um filme já antigo. Na névoa de um sonho, entrevejo seu olhar: Lauren Bacall, Uma Aventura na Martinica.



[Na esquina, um banquinho na calçada.
Todos já sabem: ele não é muito de dormir.
Fuma um pouco, enquanto a noite cavalga.
Toma café, escuta o rádio, acompanha os que vão e vem.
Ninguém lhe aborrece, nem os bêbados.
Não é triste, não se queixa, não tem ambições, nunca teve.
Em vez de alegre, leve, que foi o que de melhor aprendeu.
Telegrafa-me um olhar; gesticula, suave, com a mão. Um amigo.
Irmanamo-nos no anonimato dos que
gastam suas vidas comendo jantares requentados
e sonhando com Lauren Bacall.
Veio de longe e sempre de longe será,
pois sua força é um tipo de resistência
que se adapta a diferentes geografias.
Aos sábados, mas não só, toca seu clarinete.
De cá, cantando baixo, acompanho O mundo é um moinho.]



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NOTAS:
1. Lauren Bacall, atriz norte-americana reconhecida por seu talento, extensa obra e inevitável beleza.
2. O mundo é um moinho, música de Cartola que você escuta aqui: https://youtu.be/.

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│Autor: Webston Moura
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domingo, 29 de maio de 2016

DE PASSAGEM



Eu realmente me canso de te ver repetir normas a seguir, normas a quebrar. Para construir ou demolir mundos, sou pouco. Estou de passagem, e o tempo é curto. De camisa azul-claro e calça jeans, não preciso de mais que algum era uma vez e a liberdade de caminhar por aí, sem atentar para o último round entre gregos e troianos. Não leve tão a sério o que pensa. O tempo te dirá o contrário, um jogo infinito de possibilidades, que você, talvez, não queira enxergar. Olha: na janela daquele andar, um vaso que não vai cair. É a vertigem que te deve impulsionar; não o medo de não conseguir controlar o movimento das coisas. E eu só preciso de um drink e de uma verdade que não se pronuncie como um mandamento ou um chamado para uma guerra. Você desaprendeu a pulsação de Down to the Waterline. Você desconsidera abrir as janelas. Deixou uma gramática ofendida nascer entre as nossas palavras.



[Tinha medo. E o tinha como a um tesouro.
Cuidava-o, como a uma horta se cuida.
Tinha os dedos gastos uns nos outros;
as mãos, entre si, cerradas,
fecho de aço que não se quebra.
Tinha a boca seca, as íris abrasadas
e a mais incrível saudade de uma palavra,
que poderia ser qualquer uma,
se possibilitada no bem.]





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NOTA:
1. Down to the Waterline, escute-a aqui [https://youtu.be/]

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│Autor: Webston Moura
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sábado, 28 de maio de 2016

cão

as pulgas pululam
dorso
dores
alma
do meu cão

as pulgas se banham
no sangue
sugado
do meu mísero cão

pulgas não fugazes
iscas de mares
desertos
no olhar triste e insólito
do meu cão

a guarda fica pra depois
meu cão vagueia em passos trôpegos
de uma carruagem perdida

meu cão
branco é o seu olhar de solidão


│Autor: Oreny Júnior
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Oreny Pires de Sousa Júnior é natalense, filho de seu Oreny e dona Zefa. Viveu da infância à adolescência nas ruas e morros da Cidade da Esperança. Nesse bairro conviveu com músicos e poetas. A vida malvada o tangeu do bairro, lançando-o nas estranhas desse país trecheiro. Nesse exílio, necessário de doloroso, catou seus poemas no pedregulho da vida sem o uso de luvas. Alguns foram retirados a fórceps de suas entranhas. Agora, estão aqui, gritando neste livro. [Janilson Carvalho – Professor]

A espera

Até a esperança
a gente espera.

Espera-se o sol,
espera-se a lua,
as estrelas,
a rosa se abrir.
a raiva sumir,
o ônibus passar
e o povo subir.

É muita espera.
Tem o médico,
o exame,
o horário do programa,
o telefone tocar,
o frio passar
e o amor chegar.

Mas, um dia,
até a morte
a gente espera.

Melhor vir de surpresa,
nada de espera.
Só viver
e deixar tudo
acontecer.


│Autora: Maria Dona
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Maria Dona, desde sempre Doninha, nasceu em Pau dos Ferros (RN), em 1945. Foi aluna interna do Patronato Alfredo Fernandes, na época em que os pais ainda residiam na zona rural, e fez parte da primeira turma do Ginásio 4 de Setembro e do Curso Normal de Pau dos Ferros. Depois, estudou Pedagogia na Universidade Estadual do Rio Grande do Norte – UERN – Mossoró, tendo sido presidente da República Universitária. Trabalhou como coordenadora pedagógica em Mossoró, enquanto servidora da Secretaria Estadual de Educação. Em 1998, quando se aposentou, passou a morar em Natal. É esposa de Durval e mãe de Anna Cecília, Sérgio e Mara Regina, além de ser dona de um jardim com roseiras. Seu passatempo predileto é ler e escrever. Participa do grupo de canto Unidos em Cristo e do coral feminino Santa Cecília. Desde muito tempo tem escrito, mas só agora, com o incentivo e o apoio dos filhos, publica o seu primeiro livro.

quinta-feira, 26 de maio de 2016

Densidade



Picture with a black arch (1912) - Wassily Kandinsky




Em silêncio, disponho do trânsito
                                   em meu corpo:
                                     o sangue que, 
                                                    livre,
                                                 circula.

Mas, não apenas.

Navegam-me cavalos
advindos de tardes
em que, longe, ia-me.

      Ali, no ar, mar em brisa,
      avencas e álamos rumo
      ao nome incógnito da mulher.
      Ali, no ar, o brando dorso do sol
      a derrear-se na face avistada,
      e que eu, sem mais,
      como quem conjuga simplicidades,
                                 chamava de mundo.

Em silêncio, disponho
do trânsito, essa música
de perfeita eletricidade,
corpo no presente,
densidade para além do tédio.

Exerço o meu poder,
consistência expressa
na palavra liberdade.


|Autor: Webston Moura|

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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Araibu e Só Um Transeunte.
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