quarta-feira, 17 de maio de 2017

A JARRA



Não sabe da jarra que falta,
só de seu pacífico lugar.

Alguém a roubou?
Todas as investigações chegaram a nada.

O que possui é a mesa vazia, a marca do fundo,
a sombra agigantada de uma voz muda.

Quando relampeja, luzes apagadas, quase a vê, mas é ilusão.
Comprasse outra, resolvido o problema. Mas, não!
Adquirir um gosto pela busca, sabendo do perdido, é também aventura
e, de certa forma, posse.

Se há quem ame carrancas, por que não amar uma ausência?

│Poema da Série “Objetos Perdidos” – Autor: Webston Moura│

INFINITOS DE MIM



Que esta folha em branco não me seja naufrágio.
Preciso escrever uma carta, testemunhar o instante.

Marujo, deixo continentes encostados à espera.
Trago sal às palavras, todas grávidas de viagens.

Ao mar, infinitos de mim.


│Poema da Série “Mar” – Autor: Webston Moura│


AQUELES OLHOS NOTURNOS



Quis um poema nu e simples,
búzio pequeno todo-em-si,
jangada clara na linha d’água.
Queria estar noutro lugar,
que este atulha-se de mundo.

Pude o mar, a janela aberta à brisa,
os olhos noturnos de noturna moça.


│Poema da Série “Mar” – Autor: Webston Moura│

JANELA ABERTA PARA O MAR



Da minha janela, mar nenhum.
Imagino, pois, os azuis que gosto.
E a areia, leve e branca, me escorre entre os dedos,
sonho vagaroso de domingos preguiçosos.

Da minha janela, que janela há?
A que me pousa onde me invade,
pássaro branco de nome melódico.

Sonhei um cais e um horizonte.
Não havia dor, nem contas, nem urgências.
Deram-me por louco divagando tolices.
Não sabem de inventar paisagens ou palavras.

Faço, assim, como me assenta, dar de ver mar,
mas mais ainda: nele nadar e me converter.

Vês o cavalos-marinhos?
São como serenos lírios de luz.


│Poema da Série “Mar” – Autor: Webston Moura│

A SURPRESA DA MANHÃ



Uma canção onde cantemos
transitórios eternos morrendo passando
ficando ainda nos demorados violinos da canção tão breve.
─ Manuel Alegre, Canção Primeira


As cores estalam na manhã orvalhada.
Aos homens, tigres ou asas, o destino escolhido.
Inauguram o trabalho, o sofrimento, a esperança.

E isto já é muito pleno.


│Poema da Série “Sob Inspiração de Manuel Alegre” – Autor: Webston Moura│


VIAJANTE VOZ



Vai minha canção vai como um navio
sete mares são pequenos
para o rumo que tu levas.
Em qualquer parte alguém te espera.
─ Manuel Alegre, Canção Primeira

Em diferentes sentimentos, vai.
Deixa o medo aos vermes.
Veste a roupa de viagem,
toma alforje, mapa, e vai.

Dirão que o poema é inofensivo,
pois os homens estão cegos.
Vai, porém. A vida urge:
há uma criança no escuro,
seu choro pede auxílio;
há homens diminuídos,
mulheres sobressaltadas.

Vai, poema, que algum olho vigilante aguarda.


│Poema da Série “Sob Inspiração de Manuel Alegre” – Autor: Webston Moura│

Contra O Esquecimento



Les Présences (1956) - Leopold Survage



Em cada poema estou como quem viaja
não eu apenas mas a própria viagem
─ Manuel Alegre, Canção Primeira


Em cada poema, estranho que o seja,
água suspensa no ar, cascata em queda,
só,
uma pessoa habita a própria voz,
exercita sua presença, ainda que em não,
no mundo.

E é sua inteira passagem, o que é dizer sua vida,
a comunhão com outras vidas, todas imersas nesta dança:
a sobrevivente escrita que se possa ter
                  ─ contra o esquecimento.


│Poema da Série “Sob Inspiração de Manuel Alegre” – Autor: Webston Moura│

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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Caderno Livre e Só Um Transeunte.
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