segunda-feira, 28 de novembro de 2016

EM OLHOS DE ARDÓSIA

Do sertão, infinita noite:
açafroada lua ressoando azul;
o silêncio viril em que um pássaro
─ anjo de cobre, olhos de ardósia ─
enovela-se no ar (orvalho suspenso)    
e canta num triz sua voz de aviso
passo por aqui e chamo aos vivos.



Um menino anda
na estrada poeirenta.

Quem vem lá?
Um sem-nome, um vulto.
Quiçá um dia se saiba
do que lhe ocorre
entranhas adentro,
sua força medida
em cada pulso,
seus olhares ternos
para a estrelas,
e este dia ido
em olhos de ardósia.


│Autor: Webston Moura
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domingo, 27 de novembro de 2016

PESSOA

Frágil, surgia.
Vitis vinifera.
Tão forte!



Assustada, carecia de abraços.
Não queria pensar, medir, saber.

Desapareça, cabeça, desapareça!

Assim é o corpo quando só,
quando dor: todo humano.
Assim é o humano.

Assustada, queria apenas sumir-se do presente;
depositar-se, tranquila, nalguma longinquidade.

Por isso e gradual, o vinho.
E o sofá diante da janela.
(Cor de trigo, dócil, a tarde).

Silêncio.
Dentro do abraço,
fora do mundo,
desassustava-se.

E o vinho já lhe corava os olhos.
Seu corpo, lar, canção, deserto.

│Autor: Webston Moura
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sábado, 26 de novembro de 2016

Actinidia deliciosa

Sim, estou feliz!
Mares ressoam horizonte além.
Compreendo o abajur,
melhor dizendo,
esta luz convidativa
que esconde e revela um corpo.

Forte é o coração quando deseja.
E se os olhos acolhem
─ brisa fagueira, carruagem de filme ─,
diz-se desta alegria chamar-se amor,
termo com que se nomina o ser e o sentir
                                      ensolarados.

É de ordem intima esta festa,
fora do index das coisas que padecem.
É vida demorada no abrir-se de uma fenda,
um estalo revigorante de supremo sumo.

Sim, imagino que o transeunte me estranhe.
Mas, perdoa-me, que estou na praia doutro país!
E meus olhos não veem senão a exata beleza.
Não posso me permitir sobressaltos,
tampouco assombradas hesitações.
Vou fechar os olhos e pular.

Perca-se o relógio
no fastio de sua rotina.





|Poema da Série "Mar" Autor: Webston Moura|

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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Araibu e Só Um Transeunte.
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POEMAS DE LEONAM CUNHA


poema viscoso

Observei o espectro profético:
a lesma desbrava o dia
idosamente
─ sem pressa nem medo do fim

Em verdade, em verdade vos digo:
aquele que tem ânsia de lesmas
caminha canino comigo.



jaculatória

Só tenho intenções
perto da linha do horizonte.
Assim ─ distante ─
saboreio a pretensão do crepúsculo
em ser noite.
Ser noite é muito pesado.
Eu avoo.
Minha reza
é mais ou menos:
se eu pudesse ter braços de palha,
balançaria no vento;
eu desejo conduzir tempestades.



dia-rio (parte dois)

Conheci uma mulher-noite.
Que tinha olhos de voo.
E dentes de quem quer mais.



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Poemas constantes de "Condutor de tempestades" (Sarau das Letras, 2016)






Leonam Cunha [Areia Branca, RN] publicou, em 2012, seu primeiro livro de poesia, “Gênese”, e em 2014, “Dissonante”, ambos pela Sarau das Letras. “Condutor de tempestades” é seu terceiro livro.
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sexta-feira, 25 de novembro de 2016

POEMAS DE KIKO ALVES


Âncoras

Há faróis no céu
Busco ao léu meu porto
Num mar de estrelas



O velho moinho

No salobro das pás
Sopram ventos do passado
Volteando em ponteiros
De relógios fantasmas
A girar para trás
Carreando lembranças
De antigos passageiros
E almas roídas de mar
Saudades inda vivas
Dependuradas no tempo
Serenam as tardes
E se vergam
No ranger das carcaças
Do velho moinho abandonado



Etéreo

Quando o mundo
Não mais me quiser
Vou dar no pé,
Vagar à toa.
Quando o mundo
Não mais me quiser,
Numa boa,
Vou viajar
Além do mar
E no azul do céu
Virar garoa



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Poemas constantes de "Ancoradouros" (Sarau das Letras, 2016)



Kiko Alves [Francisco Alves, Areia Branca, RN, 1955]. Formado em Engenharia Elétrica pela UFF, com mestrado nessa mesma área pela UFRN. Também poeta, compositor, letrista, cantor e ator. Ancoradouros é seu primeiro livro.

POEMAS DE PEDRO DU BOIS

1 Alugo o corpo ao personagem
e sou incorporado ao discurso plástico
da inverdade. Sou deus e demônio
personificados nas contradições. Besta
e pomba. Homem despossuído
de razões. A aparente calmaria antecede
a tormenta e a neve desce a montanha.

Sou outras gentes. Gentios
e crentes. A plateia estática na ação
do palco. O finalizar da música
no arrastar das cadeiras.


2 Ser além do personagem
o mito. História
em sua criação na apropriação
da ideia.
      A luz ilumina o palco
      com palavras
      apostas no papel.

A aposta sobrevive ao instante
da criação. A aposta se conforma
ao espaço preenchido de oportunidades.


3 Repito o texto
realizo o gesto
materializo
a palavra.

Permaneço.


4 Avesso ao comum
imortalizo
      a cena. O aplauso
      contém o ressentimento
      da realidade.

Retorno
e aprofundo
a vida
em verdades.



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Poemas constantes de "Poemas" (Projeto Passo Fundo, 2016)



NOTA DO EDITOR DO BLOG: O livro "Poemas", de Pedro Du Bois, o qual tive o prazer de fazer a apresentação, dividi-se em oito partes (secções), a saber: "Caminhar". "Iniciação ao Trabalho"; "Personagem"; "O Dia Empedrado"; "Sobre Leituras e Desentendimentos"; "Habitar", "Sob(re) o Melhor dos Mundos"; "A Indeterminação da Certeza". São dezenas de poemas, mas não estão distribuídos aleatoriamente, posto que, de conjunto em conjunto, formam uma unidade densa e complexa. O próprio título do livro, "Poemas", sugerindo o óbvio sobre o que ali se espera, é algo a se pensar no que diz respeito às sutilezas tantas, riquezas todas.  É uma poesia que nos convida a trabalhar. Os três poemas deste post constam da secção "Personagem". Sobre o autor, visite seu blog: http://pedrodubois.blogspot.com.br/.

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quinta-feira, 24 de novembro de 2016

NA HUMANA PAISAGEM QUE ME PASSEIA

Cometo erros, e a simetria dos meus olhos
canta cascade, de Siouxsie and The Banshees.
Querem-me ordinário, usual e militante,
mas eu gosto é desses campos vazios,
o vagar da mente nos detalhes e no esparso.

Cometo erros, carne-e-osso, loiras noturnas
sorrindo sob a placa de neon-clichê, vénus.
Sinto-me assim, peixe incerto, lume-oscillare,
cântaro a receber ciganas danças, luau.

Chama-me, amor, babel querida, mulher!
Cá estou, calça jeans, sábado de ócio.
Chama-me, bala de café, fogo nômade!
Cá estou, velas ao vento, noite orvalhada.

Cometo erros.
E o que seria de mim
se não os cometesse
na humana paisagem que me passeia?

Quero fugir, quero fugir, quero fugir
de todos os olhos repetitivos.


│Autor: Webston Moura
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sábado, 19 de novembro de 2016

UMA CANÇÃO, DE OLHOS FECHADOS

Quem frequenta esta varanda
montada em sonhos?



Ainda não! ─ digo ao por-do-sol,
lenta amorosidade que me toma,
para que se demore mais ao coração.
A Terra, noutros lugares, amanhece,
mas aqui não logro medir tempos;
quero a duração da natureza,
este seu fenômeno dito pousar a luz,
adentrar a noite e deixar subir ao chão do mundo
os olhos perspicazes de outros seres.

Mas, ainda não, que desejo
estar no talvez, na imprecisão,
no reflexo áureo-fugidio da luz na água.
Queira-me assim, impensante.

A vida é bela,
uma canção de olhos fechados,
Gal Costa passeando voz na amplidão.


│Autor: Webston Moura
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sexta-feira, 18 de novembro de 2016

O ABSOLUTO

Ora che amo te
nasce il tempo da vivere*



Há uma moça debruçada na janela.
Seus cabelos, calidez mansa.
Olha a rua de um ano remoto,
cidade elevada ao sonho.

Seu vestido, silêncio, dobras,
a canção latente, o livro verde.

Para ela, meu olhar invisível.
Percorro o império de sua liberdade.

Na janela,
a moça,
recuado tempo,
rua e sombrinhas,
o absoluto.


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* Versos de "Grazie Amore", de Gigliola Cinquetti (intérprete)

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│Autor: Webston Moura
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PEREGRINO

Onde estão os homens,
os sérios homens angustiados,
não faço pátria.

Não tomo assento à beira
da desordem daqueles homens,
todos municiados de dissabores.

Antes, bem antes, o que eu quis
foi estar nesta estrada a que me dou
de pés descalços.

É a velha estrada,
esta velha e (em mim) sabida estrada,
inícios de meus passos, os mais primeiros,
mesmo que outros, mesmo que novos,
dado que tarefa e caminho do peregrino.


│Autor: Webston Moura
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UM NO OUTRO

Eu te dou esta música
e uma quinta-feira cuja tarde
é plenamente autêntica.    
Esquecidos de nós, somos!
E, mais tarde, quando a lua surgir,
conte-me, sem pressa, alguma lenda
de algum povo antigo e feliz.

Quero ver-te na duração de um café:
ritmo que se põe à boca
enquanto se vislumbra
o pouso de uma ave
no verde da folhagem.

A vida é isto,
discos espalhados,
o frasco de perfume
denunciando o íntimo
que nos toma um no outro.

Nosso tempo,
música gozosa e imune a intempéries,
diz-se casa e viagem,
               nunca exílio,
               nunca ausência.

│Autor: Webston Moura
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