sábado, 16 de janeiro de 2016

VOCÊ NEM ME CONHECE [Webston Moura]



A ilha é uma forma de cúpula, uma língua cujo sabor se oculta. É um mar donde só mar se vê. E seu caminho é circular, um sempre. Meu quarto, silêncio infindo: a mobília de cor aborrecida; o espelho, meu rosto, os anos. Atrás de mim, réstias, a luz que, irregular, me chega. São 8h. Talvez, quem sabe, um pouco mais. Detalhes. E espero o tiro de partida, uma mão, recomeços. Nada. Agora, o nada será lei, eu sei. Santa Luzia, pequena estátua colocada à altura de meus olhos, percebe-me. Com o tempo, foi que me dei a pensar que só essas coisas é que me percebiam. O tempo é assim mesmo. O tempo nos amortece aos olhos alheios. Os outros se acostumam à nossa desaparição. Até se diz que isso é normal, que nosso nome vai sendo demolido em hábito dentro da boca dos outros e que, quando nos olham nos olhos, isso não tem mais nada de domingo, nem de estalo.

Pode me chamar pelo segundo nome, Teresa. É assim que me chamam. Mesmo que o incômodo deste momento pese, não se deixe abater. Caso queira, o banheiro fica à esquerda, no corredor. E há café fresco, espero. Vá à cozinha. E, também, caso possa, leve aquele pássaro. Está na área de serviço. É uma burguesa e não é de cantar, sisuda que só. Mas é amiga. Espero que sejam amigos.

Ah, sim! Haveria um bilhete e até coisas desarrumadas, fotos espalhadas, um segredo agora revelado. Mas é que sempre fui tanto organizada quando discreta. Sim, também sou tímida. Por isso, nada de palavra aí nesta outra gaveta. Nem nesta cômoda. Não precisa olhar. E evite abrir a janela, por favor! Não quero espetáculo. Apenas me pegue e me entregue a um lugar mais cômodo. Pode ser esta cama, é minha. Quanto a esta marca no pescoço, isso é o de menos. Por marcas bem piores, é que meus olhos de pedra agora sugam os teus de espanto. E não chore. A vida é assim mesmo. Você nem me conhece.

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