domingo, 23 de dezembro de 2018

ESSES DIAS DE CALOR


Esses dias de calor
com que lidamos,
a contragosto.
As horas consumidas
em sobreviver
enquanto a noite se guarda
detrás dos ocultos.

Dado isso,
não se estranhe
a exaustão
em nossos gestos,
as falas guardadas
atrás da imagem,
os olhares aguados
aos quais nos damos
e a vontade de fugir
para reinos inventados.


│Autor: Webston Moura│

sábado, 22 de dezembro de 2018

À HORA DESERTA


Dada a pressa que julgamos necessitar,
nem nos vemos senão nesse não-sentir.

E nos acostumamos.

Por isso,
à hora deserta,
com a rua deserta,
dá-me vontade de correr
como quem, nascendo,
sabe um rio nalgum lugar
fora deste corpo excessivamente funcional.

Por isso,
a dança,
a anti-destreza,
o andar como vagar,
o sair-por-aí
que, à hora deserta,
me tomam,
ao menos imaginadamente.

Dada a pressa que julgamos necessitar,
perdemos os ciclos das coisas que vivem de graça
e só nos vemos nesse não-sentir
dentro deste corpo excessivamente funcional.

│Autor: Webston Moura│

ESTA MÚSICA


Escuto esta música
e me retiro.
Sei: estou aqui
(contudo, não estou).
É meu sentimento
que por aí vai,
notas harmonizadas
nalguma máquina feliz
por sobre uma montanha
e com espírito de pássaro,
águas mais adiante.

Não há palavras exatas
para dizer disto.
Por isso, paro;
escuto esta música
e me retiro.


│Autor: Webston Moura│

O PESCADOR ANÔNIMO


Vai-se o sol forte; a tarde é áspera.
Na lagoa suja de progresso urbano
o homem simples pesca os peixes impróprios.
Sorri ao aceno, é simples sua índole.
Ali já está desde velhos tempos
quando havia água que se punha pura.
Resta-lhe, agora, como sorte última,
ir-se com a lagoa ao cabo das forças,
esquina final donde não se volta.
Por ora, se apega à pesca de agora,
neste dia pleno de rotina e fome.


│Autor: Webston Moura│

PEDREIROS


Ardem sob o sol mais inclemente
enquanto erguem paredes cujo fim não lhes servirá.
Não têm e não terão casas suas,
que a sorte de serem o que são,
pedreiros,
tem esta contradição:
vestir a nudez alheia enquanto sobram nus,
seja de casa, de melhor comida ou de futuros leves.


│Autor: Webston Moura│

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

MURMURANDO


Essa revolta concentrada há anos,
pedra escondida sob a aparência da normalidade.










E a vergonha de não vivê-la,
                         de não dizê-la,
                         de não fazê-la,
que só se confessa assim a miúdo
              e sob sigilo,
murmurando,
                                    murmurando,
                                    murmurando.


│Autor: Webston Moura│

SOB A HORA DESCANSADA DA MANHÃ


O ar cheira a plástico queimado:
revolta pequena de algum morador.
É manhã, mas maculada da mão que lhe suja.
Alguém vai, alguém vem;
a rua, sem ênfase, acontece.

Lá no possível céu, cinza no cinza,
um pássaro vagueia sob a dureza da luz.
Atrás de si, acima, melhor dizendo,
a promessa incerta de chuva.

O sol começa seu ofício:
a barra do horizonte,
entre laranja e outros fugidios tons,
parece alegrar-se, ainda que nebline.

Enquanto se dissipa o odor acre,
permite-se alguma flor subir seu aroma
e um cão, já menos incomodado, ergue-se do sono
e, descabido de cismas, lança-me um olhar.


│Autor: Webston Moura│