quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

SOB A HORA DESCANSADA DA MANHÃ


O ar cheira a plástico queimado:
revolta pequena de algum morador.
É manhã, mas maculada da mão que lhe suja.
Alguém vai, alguém vem;
a rua, sem ênfase, acontece.

Lá no possível céu, cinza no cinza,
um pássaro vagueia sob a dureza da luz.
Atrás de si, acima, melhor dizendo,
a promessa incerta de chuva.

O sol começa seu ofício:
a barra do horizonte,
entre laranja e outros fugidios tons,
parece alegrar-se, ainda que nebline.

Enquanto se dissipa o odor acre,
permite-se alguma flor subir seu aroma
e um cão, já menos incomodado, ergue-se do sono
e, descabido de cismas, lança-me um olhar.


│Autor: Webston Moura│

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

BREVE PENSAR ENQUANTO O SOL DESCE




Twilight (1909) - Umberto Boccioni




Viajante, sei-me estrangeiro
de passos que já se cansam
sob o peso da viagem.

O que sei, saber possível
recolhido das andanças,
já se coloca à margem
dos homens mais apressados,
estes que inventam o agora
e, agitados, alegram-se
como quem descobre o fogo.

Velho, aprendo a viver.
Mas, como gastar a voz
deste saber mais profundo
se mais me conforta a sombra
que o rugido de mil mundos?

Por isso, mais admiro.
Por isso, mais observo.
E, se me permito algo,
sinto, pois, pena do homem.


│Poema da Série “Tempo e Vida” – Autor: Webston Moura│


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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Caderno Livre e Só Um Transeunte.
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PEQUENO LUGAR PERDIDO



Nogueira Régia




É uma nogueira,
o que sobrou dela,
como a oiticica,
um pouco mais adiante,
e estas de sem-nome
(os quais não aprendi),
todas mortas árvores,
paisagens de só-triste.
Ou, se preferires,
poemas de pé,
palavras guardadas
na seiva perdida,
imagens de pedra
que a terra sustém,
onde nosso amor
vive e se comove.

Atrás do casarão,
antes verde-sempre,
o pó de um milharal
extinto de anos muitos.

Apesar de não,
há pessoas, sim,
o que delas se lembra.
Conta-se de uma moça
que o vento sugere
vagando no branco
da névoa tranquila,
como se ontem fosse
e ainda houvesse
árvores e vida.


│Autor: Webston Moura│

sábado, 24 de novembro de 2018

TEMOR


Muito é temor.
Quase tudo é temor.

Sente-se.
Mais: investe-se.
Mais ainda: reinventa-se.

Tudo que se possa
e que se queira
ou não se queira,
por alguma razão
ou por todas,
assentadas as imagens na cabeça,
temor.

Para-se diante do espelho.
Ouve-se um barulho na porta dos fundos.
Pensa-se ser o famigerado fulano dito no rádio.
Não é. São os gatos.
Mas, agora é tarde: temor.

A água,
o ônibus,
o remédio,
o vizinho,
o carteiro,
o açougueiro,
o governo,
todos juntos na conspiração.
(Ninguém está vendo isso?!
É a nova ordem mundial, porra!!).
Temor.

Vamos beber?
Não! Faz mal!


│Autor: Webston Moura│

SE VOCÊ TIVER PACIÊNCIA


São muitos meses sem chuva,
demoras que quase não se findam.
Neste tempo, como o boi e o tamarineiro,
aguentar a existência e, se der, vivê-la.

Saiba, velho, que há tardes incômodas
a dar mais que aquilo que pedimos!
Estão, dia a dia, a nos cozinhar.
E, desta enormidade vazia de molhados,
é que te envio a poeira de um sobrevivente,
busca e remessa de amizade e lembranças.
Todavia, não tome por isto queixa!
Bicho nascido e crescido, sou daqui, sou aqui.

Ontem, à noite, fiquei sob o tamarineiro e dormi.
Eram águas tão suaves, as que me fizeram sonho.
Assim é, diz-se que é reinventar-se.
O tamarineiro que o diga.
E o boi, também.

Como diz o povo, se você tiver paciência...


│Autor: Webston Moura│

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

SOBRE O EDUCADOR PAULO FREIRE


Paulo Freire, um honrado brasileiro.




Este blog não é para estas coisas, mas eu, o administrador, resolvi postar aqui mesmo. Vamos lá! Do perfil do professor Rudá Guedes Ricci, no Facebook, retirei o que se vê abaixo:

“Paulo Freire acabou com o nosso ensino”

Engraçado; ele não acabou com o da:

Austria - Instituto Paulo Freire

Alemanha - Paulo Freire Kooperation, Oldenburg

Finlândia - Paulo Freire Center

Holanda - Centro Paulo Freire, Vrije Universiteit Amsterdam

Portugal - Instituto Paulo Freire 

África do Sul - Paulo Freire Project, University of KwaZulu

Inglaterra - Freire Institute, University of Central Lancashire

Estados Unidos - Paulo Freire Democratic Project, Chapman University

Canada - The Freire Project

DOIS POEMAS DO NOVO LIVRO DO PEDRO DU BOIS


http://www.projetopassofundo.com.br/




Alguém descobre que as cores
atuam sobre os sentimentos: pintam
a sala de jantar
           de amarelo
           e o quarto
           de azul
           e o banheiro
           de verde: despintam o demônio
em cores retiradas do arco-íris.

Ao branco dizem significar
abstrações. O descolorido
envolve sentimentos
no que se faz anódino.

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Amo a inconsistência da chuva
no endurecer palavras. Contenho ternuras
no embasar discursos. No ultrapassado
recrio imagens: habito ocasiões
indiferentes. Olho apenas

o confortável: resseco dizeres
em reencontros. Desdigo adeuses
em divindades. Ao obstáculo
dirijo gestos de desconfiança.


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Poemas constantes de Tristeza & mínimo e a menor parte, de Pedro Du Bois, Projeto Passo Fundo, 2018. Pedro mantém o seguinte blog: http://pedrodubois.blogspot.com/. Para ler outros poemas do Pedro neste blog, clique [aqui]

SERVIÇO:
Tristeza & mínimo e a menor parte (poemas)
Pedro Du Bois
Projeto Passo Fundo

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

O RIO QUANDO O SABÍAMOS


Não vá para o fundo, dizia a mãe.
O rio, que passava dentro da cidade,
nem estava tão cheio, pois era o tempo de estio.
Mas, continha água suficiente para nós,
pequenos aventureiros de cada manhã.

Íamos, mas não no perigo.
Exceto uns, por vocação de desobedecer,
atreviam-se e subiam em árvores à beira do rio,
na parte em que havia poços, diziam, água escura, funda.
Pulavam e faziam algazarra, mergulhavam, eram ágeis.
De longe, nós, os mais quietos, não os invejamos.
Gastávamos o tempo no fazer-nada que a água dá,
além de buscarmos, aqui e ali, piabas e outros bichinhos.

Do outro lado do rio, uma comunidade,
gente ainda mais pobre, sem luz elétrica,
sem água encanada, sem filtros de barro,
enfim, com muitas ausências,
mas sem graves tristezas.
Sorriam para nós enquanto passavam.

Sempre olhávamos o sentido da corrente,
para onde o rio se findava nalguma curva.
Que outros povos encontrava?
Que outras histórias percorria?

Disso tudo,
o rio interno que carregamos espelhado naquele,
águas que se foram e que voltaram
quando não estávamos mais lá.

Hoje,
perdendo tempo enquanto podem,
há crianças no rio,
naquele
ou no que dele restou?


│Autor: Webston Moura│