A cidade de Russas necessita de um ABRIGO PÚBLICO PARA ANIMAIS ABANDONADOS, com clínica e profissionais adequados aos cuidados. Apoie essa ideia e exija dos nossos representantes políticos ações efetivas! A cada ano, dezenas de animais nascem e morrem, sem que haja uma política pública adequada que os proteja. Não podemos deixar que isso continue!

domingo, 26 de março de 2017

COISA SUSSURRANTE






Morasse próximo ao mar,
perder-me-ia muitas vezes a olhá-lo.
Para mim, o mar é ócio, demora imensa junto ao vento.

Talvez, esta seja uma das senhas para o amor:
deixá-lo ser a coisa sussurrante que nos toma o corpo,
uma miríade de finas mãos costurando conchas.


│Poema da Série “Mar” – Autor: Webston Moura│

ENQUANTO TE OUÇO NAS MARÉS

Teus olhos azuis, espelhos d’água sereníssimos.
Tua pele dourada, memórias de sal a sol.

És o sargaço furioso e eterno renascido sempre.
És a sombra de navios que não existem mais,
exceto suas carcaças, hoje moradas de líquens
e de senhorinhas que se afogaram em tardes esquecidas.

Por isso, estás aí nos meus sonhos
e cantas a monotonia agradável das marés
enquanto adormeço gaivotas em meu corpo.


│Poema da Série “Mar” – Autor: Webston Moura│

TUA PRESENÇA

Morasse próximo ao mar,
ver-te-ia, mesmo que não pudesse.

Não é desejo de alucinação;
apenas invenção do ócio em mim engastado,
prática de quem aprendeu o mar e nunca mais o deixou.

Carrego este búzio ao ouvido,
som primordial que engravida belezas.


│Poema da Série “Mar” – Autor: Webston Moura│

sábado, 25 de março de 2017

UM CÃO DENTRO DE UM QUARTO



Este homem é um cão dentro de um quarto.
Só de solidão insuportável, grita e definha.
Não está só de outros, que há muitos em redor.
Está só de não encontrar mão e chão adiante.

Há um gesto de abandono nos corações.
Há um terror normalizado nas convivências.
Há uma falta, muitas faltas, todas as faltas.
Há uma vontade de fugir de todos os olhos.

Este cão, que é o homem, não mais sabe a flor,
a suavidade das auroras, a música do vento nas cortinas.
Sabe, a bem do mal que lhe corrói, receber notícias
e não faz ideia do destino a dar a tão más companhias.

Em círculos, sofre pensamentos,
reverbera-se doentiamente.


│Poema da Série “Em Torno de Um Cão” – Autor: Webston Moura│

COM SEU INOFENSIVO OLHAR



Agora, se muito, olha esta janela, vê a paisagem,
mas não pode dar coisa alguma ao mundo.

Este cão, homem natural,
recebe a luz, sabe seu ouro, conhece a vida,
mas não pode reestruturar nenhum destino.
Está resumido a não ter força
e a olhar um jardim saturado de lágrimas.



│Poema da Série “Em Torno de Um Cão” – Autor: Webston Moura│

UM VULTO AO VENTO



Ninguém lhe sabe a moradia, sequer se há.
Sabem-lhe um apelido e o olhar silencioso.

Ele sempre atravessa a rua, talvez todas,
como se esse fosse o destino único, andejar.

É o cão sem dono, andrajo, sem eira nem beira.
E não é feliz, deduz-se da falta de vida que carrega.

Não penetra o coração de ninguém,
mas talvez não seja sua culpa.
É que foi feito para isso, dizem.

Há destes homens, lápis que não riscam;
homens sem assinatura de existência.

(Quem vem lá?
Um vulto ao vento.)


│Poema da Série “Em Torno de Um Cão” – Autor: Webston Moura│

quarta-feira, 8 de março de 2017

É UMA PESSOA



Na condução fria dos ofícios,
a estatística assentada aos documentos.

A perícia estuda,
a polícia investiga,
a justiça fecha a conta,
a imprensa repassa,
o cidadão não sente.

Mas, não!
Não é um número.
É uma pessoa.
Sim, é uma pessoa!
Por dentro da imagem dependurada à corda,
uma mulher, 36 anos, dois filhos, um barraco,
tudo o que a estatística não captura na condução fria de seu ofício.

(O silêncio de uma pessoa,
quem o escuta?)


│Poema da Série “Suicídio” – Autor: Webston Moura│

O ANJO



Atrás daquele sorriso,
quem diria o agudo e oculto siso?
Quem conceberia a noite profunda naqueles olhos?
Onde se escondia a insídia, se cada gesto era pássaro?

Bem por isso,
por não se imaginar jamais a queda ali instalada,
acharam de ver um anjo estendido no banheiro.
Dezesseis anos, pulsos cortados, um menino.

(Onde não nos vemos,
quem nos habita?)


│Poema da Série “Suicídio” – Autor: Webston Moura│

UM HOMEM PACATO



O apartamento em pânico.
Como depois de uma batalha,
a terra pisoteada por mil cavalos,
móveis e miudezas espalhados.
Cinzas e guimbas de cigarro,
garrafas vazias aqui e ali,
os rastros de um homem,
sua história espatifada.

A janela, o vento entrando,
o vidro recém-quebrado,
o corpo amassado, lá embaixo,
gente em redor, uma viatura aproximando-se.

O porteiro, simples homem comovido,
repete a pergunta:  mas por que?!

Nos destroços deixados,
onde a senha mais certa para saber-se a dor?


│Poema da Série “Suicídio” – Autor: Webston Moura│

domingo, 5 de março de 2017

UM DOMINGO CINZA


Não há muito que se ver, a mobília é enxuta.
Um vaso, flores, tudo arrumado e simples.
Uma Bíblia na cabeceira, um crucifixo na parede.
Entra-se, com calma; com calma, sai-se.
Há uma despedida em cada visita.
Cada objeto já se pronuncia ausência.

Aqui não mais jaz uma vida à espera de mais vida:
quarto de um avô, doença adentro, contagem regressiva.

Em seus últimos suspiros,
um domingo cinza.


│Poema da Série “O Quarto” – Autor: Webston Moura│

UM DISTINTO SENHOR



Um ladrilho dos anos quarenta.
Quero pisar isto, faz-me bem.
De resto, nem muito moderno,
exceto por traquitanas tecnológicas de hoje.
Uma ampla janela de vidro dá para a rua.
Fica ali, lê e escreve, não vê TV.     
No escuro, gosta de olhar pela janela.
Espera, sem força, uma surpresa.
Que nada! Nunca acontece nada demais na rua.
O bairro é bom, a vizinhança é normal.
Aqui é o terceiro andar de um prédio meio antigo.

Da janela, gosta de pensar ser Raymond Reddington,
mas falta-lhe o charme e a folha corrida.
Nem por isso é menos bandido com a vizinha,
uma advogada recém-solteira, sem filhos, bastante alegre.


│Poema da Série “O Quarto” – Autor: Webston Moura│

AQUELE PÔSTER DA MARLENE DIETRICH



Este, sem janelas, apartado da casa,
no fim do quintal, pequeno, três por dois.
Para os dias de lua, dirá seu solitário morador.
Coloca uma cadeira fora, protege-se do sereno,
escuta música e, de longe, alguma voz vizinha.
É um lugar de guardar, o quarto, este, modesto e bom.
E ninguém, assim na pressa, saberá do que nele se sonha.

Aquele pôster da Marlene Dietrich é por ela, claro,
mas é também por alguém de menos notoriedade
e não menos beleza; um dia no passado, o tempo voa.

A lua está cheia,
a madrugada vem.
Hoje, porém, só a porta aberta,
o azul entrando, névoa, ninho.

(Pouca gente sabe de apenas estar.
Estar presente na própria vida.)


│Poema da Série “O Quarto” – Autor: Webston Moura│