A cidade de Russas necessita de um ABRIGO PÚBLICO PARA ANIMAIS ABANDONADOS, com clínica e profissionais adequados aos cuidados. Apoie essa ideia e exija dos nossos representantes políticos ações efetivas! A cada ano, dezenas de animais nascem e morrem, sem que haja uma política pública adequada que os proteja. Não podemos deixar que isso continue!

quarta-feira, 1 de março de 2017

O GUARDA-CHUVA

A senhorinha procura,
anda de um lado para o outro,
coça a cabeça, para, recomeça,
vai de uma ponta a outra da galeria.

O toque em meu ombro me chama.
Avisam-me de que ela é doida
e que busca um guarda-chuva.
Faz isso sempre até lhe darem um.
Objeto barato, de uso geral, quem se importa em dar?

A senhorinha recebe, sorri e diz “Meus filhos”.
Tem um tom nostálgico.
Fora abandonada pelos filhos?
É o que parece.

Encontrar um guarda-chuva,
para reencontrar algum caminho de volta
ao dia em que fora deixada nalguma rua,
quem sabe até num abrigo de nome que não sabemos,
coisa por aí, como se diz, de onde ela, supõe-se, fugiu
                                                                       (ou perdeu-se)


│Poema da Série “Objetos Perdidos” - Autor: Webston Moura│


terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

LEMBRANÇA



Sempre que o céu se nubla,
lembro-me dos céus da infância,
aqueles infinitos horizontes
e a vertigem de antes de cair as águas.
Devagar ou rápida, vinha a chuva,
o mundo inteiro ficava úmido,
uma inteira posse de águas em toda parte.
Depois, a míngua dos fios d’água ao pé das calçadas,
o ar limpo, o retorno dos citadinos à rotina,
a vida lavada, a leveza com que se supunha a vindoura noite.

Diria alguém ser isto natural, ontem ou hoje,
como quem toma por banal o que a vida naturalmente repete
─ chuvas, crepúsculos, um broto de carnaubeira.

A cada chuva, porém, repetição que o seja,
reinicia-se alguma infância no coração do homem,
que, comum ou não, saberá sentir,
se acordado para mais, se criança ainda.

Nada há na vida que, sendo beleza, não seja uma forma de milagre.

Diante da chuva, gratuidade da vida, meu coração é bastante,
não sofre senão uma alegria íntima, muito íntima, quase secreta.


│Poema da Série “Por Ocasião da Chuva” – Autor: Webston Moura│

O LADO ESQUECIDO DA CIDADE



Toda cidade tem sua parte baixa, periférica.
É onde os pobres teimosamente vivem.
A chuva que molha os altos, a fazer serenata nas varandas,
é a mesma que, nas partes baixas, desassossega.
Desfazer casas e barracos, fazer rolar ribanceiras,
sua chegada tem dessas tarefas de ofensa.
Ainda assim, por uma mágica razão de sentir,
uma mão sensível recolhe pingos e os bebe misturados a um sorriso.


│Poema da Série “Por Ocasião da Chuva” – Autor: Webston Moura│

O OLHAR DO RIBEIRINHO



Chove.
A estação não cessa.
Vai-se o rio mais largo e mais veloz.
As casas do lado de lá tem suas cumieiras alcançáveis à mão
de quem navega em canoa ou noutro arranjo.

Porém, detrás do olhar do ribeirinho restante,
este que apruma nos lábios e nas mãos uma prece
e estuda cautelosamente as nuvens,
vê-se a lavoura, a vazante e o peixe de um domingo.

│Poema da Série “Por Ocasião da Chuva” – Autor: Webston Moura│

sábado, 31 de dezembro de 2016

SAIU PARA DANÇAR

O dia último de um ciclo,
pó que se deposita,
tempo vivido,
passagem.

Amanhã é outra história,
não mais este faminto canto
de entranhas insaciáveis.

Assim,
em plena tarde de um dia comum
peguei minha bagagem e viajei!

Saiu para dançar!
─ responda a quem perguntar.



│Autor: Webston Moura│
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sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Arcanos Grávidos II


Ainda que discreto,
fulgia um âmbar,
cor bonita de sonhar-se.




Sou até onde não vejo,
que a vastidão é do humano.
Meu olho, infante diante das eras,
sabe-me um pouco, não o todo.
Mas, ainda assim,
por um pulso que me toma,
lápis-lazúli incendiado,
percorrem-me visões emergentes.

Filho do Universo,
trago a semente a estalar
o sempre-querer que me habita
e que me quer crescente.

Sou o claro, o escuro,
o que a palavra não desdobra,
o sinal-sigilo na pedra,
a orla, a ilha, a água,
o rugido, o balido, a contrição,
esse mar de estrelas esperando olhares.


│Autor: Webston Moura
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sábado, 24 de dezembro de 2016

CONTRA O RELÓGIO

Vem o poeta e suas flores demoradas.
De dentro desta máquina de dias,
lembra-nos da moça sem nome.
Coloca esta moça no meio do nosso equilíbrio.
Aí, já nos nascem cais e tons de sépia,
a justeza das calçadas observadas em abril,
o reflexo na vidraça: o copo,
                                        frágil,
                                        no ar,
                                     caindo.

Vem o poeta e nos propõe irmos à praia,
ao que lhe respondemos estamos muito ocupados
com as junturas que a sobrevivência nos impõe fazer.

               É que somos o livro inutilizado pelo gosto da rotina
               e também não sabemos habitar flores demoradas.
               Nosso tempo é dado em dinheiro, que compra a vida.
               O reflexo na vidraça, o copo, frágil, no ar, caindo, não!
               E nenhuma moça nos embala nesta máquina de dias.


│Autor: Webston Moura
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ASA E VOO

Fala-se de amor.
A canção popular se gasta nisso.

A custo,
léguas depois,
oceanos de cegueiras depois,
já na clareira conseguida,
começamos a amar.

É que já abrimos a mão
e a fizemos asa.

É lá, oculto céu,
o lugar onde o amor não sabe o medo.
Por isso, asa e voo, o amor;
                             medo, não.

(É o que diz a canção)



Fiquei mudo ao lhe conhecer
O que vi foi demais, vazou
Por toda selva do meu ser
Nada ficou intacto
─ Djavan, “Boa Noite”



│Autor: Webston Moura
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SOBRE NOSSAS INABALÁVEIS CONVICÇÕES

Amanhã, bem amanhã,
ainda estando aqui,
perguntaremos sobre hoje.

Nossos olhos,
que o tempo terá temperado,
o que nos dirão senão de um profundo arrefecimento?

O presente,
por doer-nos tão enorme,
parece inacabável e sólido,
                          quando não:
     matéria perecível que é,
é-nos fruto derretendo-se ao calor da fome.
          Mas que seja fome para uma refeição,
                                        não para um engano.

Não carecemos do amanhã já pronto,
para sabermos, em olhos claros, o dia que se opera agora.



│Autor: Webston Moura
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domingo, 18 de dezembro de 2016

Rua do Entardecer

Se não bastasse
chamar-se o bairro O Mucuripe
─ nome de peixe? Nome de vento?,
nome bonito

tem lá um beco
que não tem nome,
tem apelido
que está no título...

Ruas assim
não é para ter ordem
nenhuma placa,
não ter nem CEP,

só uns velhinhos
umas moças sonsas
e alguns moleques.




│Autor: Carlos Nóbrega
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Poema constante de “Canto Aceso” (Lua Azul Edições, 2016)

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DIANTE DA CLARIDADE

O mais assustador é a luz, não o escuro.
Como uma flor, a luz nasce; o olhar, não.




Carrego a velha pessoa que sou,
lembrança e peso, passado.
Tal à maioria, creio, carrego
ossos imprestáveis, óbices
cultivados (por hábito e inércia).

O tempo me cobra oxigênio
ao corpo, nova respiração,
uma fagulha que se possa acender
num instante e em todos.
O tempo me cobra ver, querer ver,
                         sem delongas, agora.
O tempo me quer à mão uma candeia
diligente, um gesto de abrir janela e porta,
                                           mas não para trás.

Carrego os olhos de imagens
já mastigadas, maceradas
e recuperadas em outros fantasmas.
Não as quero!

Carrego a consciência disso:
a violência do revés sempre revisitado.

Sou um homem, a carga de saber e ignorância
ajustada ao gatilho de arrepender-se ou continuar.

Sou um personagem:
o poeta, parteira e parturiente
esforçando-se para fazer a criança chorar
─ à luz do sol mais incandescente.


│Autor: Webston Moura
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