A cidade de Russas necessita de um ABRIGO PÚBLICO PARA ANIMAIS ABANDONADOS, com clínica e profissionais adequados aos cuidados. Apoie essa ideia e exija dos nossos representantes políticos ações efetivas! A cada ano, dezenas de animais nascem e morrem, sem que haja uma política pública adequada que os proteja. Não podemos deixar que isso continue!

domingo, 18 de dezembro de 2016

DIANTE DA CLARIDADE

O mais assustador é a luz, não o escuro.
Como uma flor, a luz nasce; o olhar, não.




Carrego a velha pessoa que sou,
lembrança e peso, passado.
Tal à maioria, creio, carrego
ossos imprestáveis, óbices
cultivados (por hábito e inércia).

O tempo me cobra oxigênio
ao corpo, nova respiração,
uma fagulha que se possa acender
num instante e em todos.
O tempo me cobra ver, querer ver,
                         sem delongas, agora.
O tempo me quer à mão uma candeia
diligente, um gesto de abrir janela e porta,
                                           mas não para trás.

Carrego os olhos de imagens
já mastigadas, maceradas
e recuperadas em outros fantasmas.
Não as quero!

Carrego a consciência disso:
a violência do revés sempre revisitado.

Sou um homem, a carga de saber e ignorância
ajustada ao gatilho de arrepender-se ou continuar.

Sou um personagem:
o poeta, parteira e parturiente
esforçando-se para fazer a criança chorar
─ à luz do sol mais incandescente.


│Autor: Webston Moura
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quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

PARA UM CORAÇÃO DE OLHOS ABERTOS

Diz-se que o homem,
mesmo em multidão,                    
é criatura só e de destino trágico.
Pela Terra, vagando, ilusões o acompanham
desde os remotos aos atuais dias.     
E ele sofre, danado em sua cabeça,
enlouquecido em seu corpo.

Chegaram então os dias de hoje
com essas máquinas de juntar olhares,
para que pudessem sofrer juntos,
                         sem solução a vista.

Chegou o tempo do desespero ampliado.

E vieram igrejinhas e capitalizações,
nova ordem, venenos antigos repaginados,
entretenimentos, miragens
e a fera (sempre) refeita em cada um,
para que se operasse o milagre da autodestruição
                                                                      coletiva.

Não seria o caso, ainda que com pouca ênfase,
de se dar uma chance de estarmos errados
quanto aos vaticínios de  fim de mundo?
Não seria o caso de vermos nosso olho mesmo
como a máquina modeladora do que, em nós, sangra,                                                                                           dói-se e agoniza?

Por um instante, só por um instante,
se luminoso for tal instante,
abrindo o horizonte,
pode o indivíduo não salvar a embarcação,
mas, com efeito, aumentar a luz aos olhos
                             dos que ainda querem ver
                                                              e seguir.

Causa e consequência,
o coração é a terra a ser domada,
                                             sempre.




O Eu é o Senhor do eu;
poderia haver um senhor mais elevado?
Quando o homem domina bem o seu eu,
ele encontra um Senhor que é muito difícil de encontrar.
─ O Dhammapada


│Autor: Webston Moura
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quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

POEMAS DE PEDRO DU BOIS

1 O exemplo determinado
ao fato ─ inaudito ─ repele
a mão do feitor. A liberdade
temporária na indefensável
manobra de arrependimento: não
se pertence. Obreiro determinado
              no que não lhe ocorre
escorre pelo corpo o suor.


2 Desde criança
sabe do atrevimento no abordar
o motorista e o carro. Estender
                             a mão e entregar
                             ao pai à mãe
                             ao padrastro
                             ao irmão
                             ao chefe
                             o saber acumulado
                             em pouco dinheiro.

A dor não repartida em fome
de noites mal dormidas
na subserviência e medo.


3 Brinca inocências. Joga ao alto
a bola ultrapassada.
Dribla e arremessa.
Rebate e bate.

Apanha na luta
durante o recreio. Chora
                                    mesmices.

O objetivo da revanche
no primeiro estágio da revolta.

                       Trabalho
                       recém-começado.


│Autor: Pedro Du Bois
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Acima os três poemas iniciais do tomo “Iniciação ao Trabalho” do livro “Poemas” (Projeto Passo Fundo, 2016). Sobre o autor, visite seu blog: http://pedrodubois.blogspot.com.br/.

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UM POEMA DE LÍLIA TAVARES

Que fazer do álamo do teu sorriso
Se perdi a voz das
Folhas do teu rosto?

Que ouvir do eco da tua voz
Se o portão pesado da
Memória nos devolve
Apenas os ramos nus
Das tardes sem sentido?

Quem vou beijar quando a pele
Do meu desejo
Frágil e líquida se evapora entre os dedos?



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Poema que abre o tomo “Desaguar do Desejo” do livro “Evocação das Águas" (Seda Publicações, 2015). O livro, em capa dura, tem ainda ilustrações de Carmo Pólvora e apresentação de Carlos Eduardo Leal.

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# LEIA TAMBÉM:


# Contatos com autora podem ser feitos através de seu perfil no Facebook [https://www.facebook.com/lilia.tavares.3] ou na página Quem Lê Sophia de Mello Breyner Andresen [https://www.facebook.com/QLSMBA]

# Lília Tavares consta da segunda edição de Kaya [revista de atitudes literárias]:
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É UM POETA ANDANDO DE BICICLETA

Tudo é política!
─ brada o apaixonado.

E o que é todo esse espaço
adensado de sem-nome?

É um poeta andando de bicicleta!
─ responde a moça ruiva da janela azul.


│Autor: Webston Moura
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terça-feira, 13 de dezembro de 2016

FILME DE AÇÃO

Depois de muitas explosões,
carros e prédios incendiados,    
tiros com todo tipo de arma,
a cidade não está salva,
mas destruída.

Nossos heróis não mais existem.
Restaram essas sobras de hospício
que têm pesadelos e gostam de esfolar.

Amor, justiça e generosidade
são coisas do passado.
Importa o impacto,
a linguagem de videoclipe
e muitos corpos espalhados.

Parece até a vida real.

E aquele cavaleiro,
taciturno e correto,
capaz de amar a uma donzela,
já não caminha mais contra o por de sol
(cena derradeira, quando o letreiro subia).
O que dele se sabe é que ama a uma lâmina
                                                    e não tem mãe.

Parece até a vida real.



│Autor: Webston Moura
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segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

AS MÃOS

Olhar as mãos: sabê-las; cuidá-las.
Destinos são. As duas, poder imenso.




Herdamos os que nossas mãos seguram:
o abraço; a dor; a vontade ressuscitada, sempre.

O homem é frágil, o homem é forte.
O homem é a escolha, diariamente.

O que cabe num coração?
De melhor, o que cabe?

Aqueles dias são hoje,
vidas como águas que se misturam
no tempo. E o tempo é aquático.

Aqueles dias são para as horas esticadas,
as horas em que pudermos apenas estar.
E tudo isso é uma onda infinita de eternos.

Herdamos o que nos damos.
Sejam, pois, navegações.


│Autor: Webston Moura
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SOB A LUZ

Vi um lírio martagão na encosta do monte.
Novamente fui menino e pude sonhar.





Aqui deponho as rosas ásperas
com que os homens se ferem.
É a curva necessária, antes de partir.
Há os que ficam; seus trabalhos tardam.
Há os que comigo partem, silentes.    
Nosso destino é incerto, mas necessário.
Abre-se o mundo, devagar, para o dia
da nova palavra e do novo gesto.

Aqui deponho o que me dás,
as mesmas rosas, por anos a fio
(o cálcio a prender o sempre-mesmo
de ossos mortos, vida repetida
que não mais me cabe).

Olho a estrela-guia no céu tranquilo,
bússola dos sonhadores de todos os tempos.
Ergo velas, preparo suprimentos, e me vou.

Desejo a humana, humaníssima terra,
larga, funda e próspera, promessa que me faço.
Nela, os deuses anelados ao meu coração.

(E um raio de luz ilumina um lírio,
um filho extremo de uma família eterna)



│Autor: Webston Moura
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sábado, 10 de dezembro de 2016

POR UM INSTANTE


Há muita força em qualquer coisa natural.
Coisa é ser sem nome mesmo.
E não ter nome não é demérito, mas liberdade.

Há muita força na monotonia dos peixes,
miúdos peixes que me prendem a atenção,
à beira d’água, marulhos vagando no silêncio.

Observo a condição dos homens,
espécie atônita da qual faço parte,
e vejo coisas presas a nomes.

Tenho pena de nós,
cegueira implacável
cultuada como a um deus.

(Mas deus de que mesmo?!)



│Autor: Webston Moura
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quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

AO HOMEM SISUDO DESESPERANÇADO

Amargo coração,
este que armadilhas
nas alamedas do livro-de-rosto.

Escuta, pois, Nana Caymmi.
Deixa que te tome a isenção dos pássaros.

A correr na nudez das praias,
pessoa, só pessoa,
esquece-te de ti!

Não estarás aqui quando o sol despedir-se.
Sequer beberás champanhe no dia mais outro,
aquele imaginado para além, muito além.

Assim, como podes, escuta Nana Caymmi.
Aprende, marujo, a deitar carga ao acostamento.

Num monte alto,
escolha que podes,
recita a poesia de teu gozo.

Escuta o vento.
Aprende a tristeza, sua lição de disciplina,
                                   não seu remoer de dor.


│Autor: Webston Moura
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terça-feira, 6 de dezembro de 2016

UMA TARDE E ALGUMAS CONFISSÕES

Ouvindo Pequeno Mapa do Tempo
e praticando meu plano de fuga.




Você é a cidade deserta.
Cheguei tarde, depois da explosão.
Havia idade em ti, outro tempo,
e você era o algodão doce, a meus olhos.
Meus olhos mesmo eram o acolhimento,
ainda não haviam sentido o infortúnio.
Viam, sem aspas e sem receios, o abrir-se
de cada coisa que, pura e nova, era tão vida!

Você é a cidade saqueada, agora taciturna.
Cheguei tarde, depois do atroz.
Ao cimo de um poste, presbítero de reveses,
um negro pássaro espreita minha figura de sol.
Talvez se apiede de não poder me ajudar.
Nem canta, nem se mexe, nem nada.

As quatro estradas vão dar aonde?
Não há placas, sinais, indicações.
É quase noite, preciso seguir.
Você, que os tolos não concebem,
ausência que se corporifica no que restou,
é a cidade de um talvez-futuro,
quando retornará numa estrela azul-arcano.
Por ora,  apenas a cidade deserta no meu coração.


│Autor: Webston Moura
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domingo, 4 de dezembro de 2016

PARA ALÉM DA TUA BANDEIRA



Desconfio da tua isenção
─ os tempos são duros,
o mundo é múltiplo-caótico
                      (como sempre).
Atenha-se, módico amigo,
a pensar um pouco!
Há vida, para além da tua bandeira
(teu fígado falante e assoberbado).
Ontem, éramos mais que essa trincheira
estendida por sobre as nossas palavras,
os nossos atos e as nossas esperanças.
Hoje, malquistos mutuamente,
espreitamos, cismados, atrás de muros,
e somos menos, exceto em agonia.

Repara que o teu incêndio parte das tuas mãos.
São tuas palavras, empreiteiras de mundos,
os frutos que fabricas contra ti e contra tudo.

Queres guerras?
Quero leveza.
Não me resolvo em trânsitos de não-se-chegar
                                                           a lugar algum.

E estou sempre em voo.


│Autor: Webston Moura
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