A cidade de Russas necessita de um ABRIGO PÚBLICO PARA ANIMAIS ABANDONADOS, com clínica e profissionais adequados aos cuidados. Apoie essa ideia e exija dos nossos representantes políticos ações efetivas! A cada ano, dezenas de animais nascem e morrem, sem que haja uma política pública adequada que os proteja. Não podemos deixar que isso continue!

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

UM NO OUTRO

Eu te dou esta música
e uma quinta-feira cuja tarde
é plenamente autêntica.    
Esquecidos de nós, somos!
E, mais tarde, quando a lua surgir,
conte-me, sem pressa, alguma lenda
de algum povo antigo e feliz.

Quero ver-te na duração de um café:
ritmo que se põe à boca
enquanto se vislumbra
o pouso de uma ave
no verde da folhagem.

A vida é isto,
discos espalhados,
o frasco de perfume
denunciando o íntimo
que nos toma um no outro.

Nosso tempo,
música gozosa e imune a intempéries,
diz-se casa e viagem,
               nunca exílio,
               nunca ausência.

│Autor: Webston Moura
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quarta-feira, 2 de novembro de 2016

SÓIS QUE JÁ SE FORAM

Meus ossos,
as memórias que carregam,
os sóis que já se foram,
mais ainda, as tardes.

Amarre direito, com calma!
Ia-me, em seguida, arrastando
o carrinho verde pelo chão.

A vaca pastava;
o bezerro, quieto;
azul, o horizonte;
tudo era completo.

Ainda poucos,
meus irmãos
─ dou-me conta ─
onde estão?
Nalgum vão da casa,
num quarto cuja cor me foge.

Num dia de Natal,
vestiram-me uma calça marrom
de um tecido novo.
O botão, osso lapidado,
encerrava-me na segurança de quem,
                                                brincando,
                                 imitava um adulto.

Acho que vou chorar.
Para onde estão me levando?

Vozes,
gente que nunca vi,
horas da noite em que nunca abri olhos,
e, lá fora, a cidade, o encanto enorme.

Depois, dormi.
Com o que sonhei,
se em todo, naquele dia, sonhei?

Sóis que já se foram.

│Autor: Webston Moura
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domingo, 25 de setembro de 2016

TUDO É SECRETO

Comove-me a vida, não seu desandar.
A luz, caso se apague, põe-me diligente
a soprar-lhe a força, aquela mais íntima
que os homens cismam, mas não veem.
E, caso quieto e à espera que volte, rezo:
olhos fechados, cheiro de tudo ao nariz,
rogo a antigos e ígneos deuses uma lâmpada.

Comove-me a vida, não sua balbúrdia.
Ando, passos lentos, e leio a placa:
“Coronel Araújo Lima” ─ quem terá sido?
Perto, um vendedor de tapiocas passa
e anuncia seu ganha-pão. Terá filhos? Quantos?

Tudo é secreto.

Comove-me a vida, seus acidentes sentimentais
e toda a possibilidade de abrir portas e janelas.
A pressa com que os transeuntes seguem, não.
Tampouco a fumaça irresponsável de seus carros
e os humores maldizentes com que se corroem.

Uma moça atravessa a rua.
Nas mãos, O tronco do ipê.
De soslaio, olha-me;
depois, olhos ao chão, sorri.
Segreda-me, em plena rua, valsas:
a pequena tatuagem, em voo livre, num dos pés.

Comove-me a vida.
E isso inclui o cão feridento e sujo
que, à porta do mercado,
fala-me olhos de socorro e perdão.
Faz-me pensar na carga de humanidade que trago.


│Autor: Webston Moura
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quarta-feira, 21 de setembro de 2016

CONVERSAS

Não a conversa dos vizinhos
pelas janelas
abertas
nos assuntos
de todos os dias

a conversa ampliada
em gestos e sorrisos
na mímica
  e música

não a descoberta da vontade
em palavras imaginadas
nos mistérios
e desvendadas
em conversas
de vizinhos
no que acontece
diariamente.


│Autor: Pedro Du Bois
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POEMA retirado do blog do autor: http://pedrodubois.blogspot.com.br/

Pedro Du Bois, poeta e contista. Passo Fundo, RS, 1947. Residente em Balneário Camboriú, SC. Vencedor do 4º Prêmio Literário Livraria Asabeça, Poesia, com o livro Os Objetos e as Coisas, editado pela Scortecci Editora, SP. Tem publicado pela Corpos Editora, Portugal, A Criação Estética; Pela Sarau das Letras, Mossoró, RN, Seres; Pelo Projeto Passo Fundo, Brevidades, Via Rápida, Iguais e Em Contos; Pela Editora Penalux, O Senhor das Estátuas. Blog [http://pedrodubois.blogspot.com.br/]. 

terça-feira, 20 de setembro de 2016

O SILÊNCIO

Vozes do mar, de ribeirinhos claros,
de árvores ameigadas pela aragem,
de montes e de vales e de ninhos,
de penedos e de ervas e bichinhos,
respirações suaves da Paisagem…;

(uma formiga arrasta um grão: entanto,
há de o seu peso ir a arrastar no chão,
e esse peso, a arrastar, será um canto…;

vai à roseira a borboleta ansiosa:
e ao sugá-la, nos rápidos instantes,
há um barulho musical na rosa
e outro naquelas asas palpitantes…);

cantos do Sol amanhecendo a aurora;
vozes do Sol enchendo o meio-dia,
ais do Sol pela tarde gemedora…;

vozes-sopros e sons crepusculares
que evaporais e adormeceis nos ares,
onde tudo dorme e tudo erra:
as dos frutos crescendo nos pomares,
a das raízes a furar a terra;
as dos astros que vão, longinquamente,
rompendo o ar, nas órbitas traçadas,
e donde nos virão (a alma as pressente)
outras vozes, também, adelgaçadas…;

fala do Todo, línguas do universo,
cujos diversos timbres são iguais:

- sois vós, no vosso murmurar disperso,
que este Silêncio universal criais.

Apenas no Silêncio, na beleza
do seu falar, a alma se extasia:

harmonioso como a luz do dia,
o Silêncio é a voz da natureza.

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│Autor: Afonso Lopes Vieira

Da obra “Ar Livre”, de Afonso Lopes Vieira, Livraria Editora Viuva Tavares Cardoso, Lisboa, Portugal, 1906, 211 pp., pp. 155-157.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

UMA PEQUENA ROSA DE QUELUZ

Amor,
este cais de setembro a sol
onde a tarde me põe aos ventos.

Olho os teus olhos
(yeux papillon),
luz negra no horizonte
de continentes tranquilos.

Quero a liberdade dos bichos,

acordar orvalho, cavalgar raios,
dispor de espaços

                         vazios.


Ao canto da página, tua escrita:

as fadas existem; estrelas, eu as leio.
Depois, fecha os olhos e respira.
Da rua, pão e outros cheiros.
Uma sereia sobre uma rocha.
As ondas arremetem. Espuma.
Vinho, corpo, ira.
Que os Visigodos não nos encontrem!



│Autor: Webston Moura
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ESTA INCONVENIÊNCIA CONTRA A ROTINA

Tudo é interino, inclusive nós.
Esta noite passa; a lembrança, talvez.
O perfume no lenço; o vento, perfeito.
João Bosco canta Desenho de Giz.
As luzes, laranjas mornas no topo dos postes,
exibem o véu úmido de uma quase-neblina.

Dizem que, lá fora, um povo se debate, e é verdade.
Mas, pausa que o sonho requer,
o amor é esta inconveniência contra a rotina.

O homem é pouco; o tempo, idem.
Olha o rouxinol desenhando lilases na lua!


│Autor: Webston Moura
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domingo, 21 de agosto de 2016

UMA GRINALDA NO AR

O dia exibe um deserto:
areia e pedra, infinitamente.
O céu, nudez azul.
Olhos nos faltam à sua magnitude.
Solitário é o peregrino.

Longe, cidade vazia,
rastro de parda criatura,
uma ilha depois de todos os fins.

A palavra que a isto descreve,
um arame estendido num zênite.

Dois antônimos pássaros
e toda a luz demasiada.

Uma grinalda no ar,
bailarina e veleiro.



│Autor: Webston Moura
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sábado, 20 de agosto de 2016

LICOR E PENÍNSULA

Vazia a praça,
as águas falavam.
Uma praça azul:
líquida e fêmea.

Como quem,
depois de dez anos,
retorna de alguma península esquecida,
perdia-me no ir e vir, volteando 
            ladrilho, ladrilho, chiclete, ladrilho,
            ladrilho, moeda, ladrilho... A torre!

A igreja, a mesma;
sua pintura, não.
Do outro lado da rua,
um bebê e uma mãe,
os dois em remanso.

Ladrilho, água, ladrilho, água.
Gosto de estar, depois de dez anos,
volteando a música licorosa na carne,
passado e presente, domingo e vazio.

Vazia a praça, porque para mim:
marujo e azul, domingo e vazio.

Vazia a praça
depois de dez anos,
ladrilho e chiclete,
licor e península.


│Autor: Webston Moura
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domingo, 14 de agosto de 2016

ESMERALDAS FLUÍDAS

Eu nada tenho a ver com os homens
que versam solilóquios de fins-de-mundo.




Correm as águas mansas, é madrugada.
O riacho é a maturação de uma calma adquirida.
Em seu cerne, as vidas de seres
que falam as suas próprias línguas
e exibem noites em seus corpos.
Seus olhos são líquidos
e suas escamas cintilam.

Correm as águas numa imaginada
tela de Marc Chagall.
Nela, sonha-se um andarilho que diz
ter sido navegante de viagens agradáveis.
Resta o carcomido casco de um barco,
agora moradia de esmeraldas fluídas.

Em redor... árvores.


│Autor: Webston Moura
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quinta-feira, 30 de junho de 2016

COM UM EQUINÓCIO NA BOCA

Tudo que se passa aqui
Não passa de um naufrágio



Frágil, a transparência do vidro.
Meu olhar se repleta de sua queda,
uma jarra posta sobre uma toalha branca
numa mesa escura de madeira antiga.
Ao fundo, uma janela também de vidro
que permite imaginadas e frágeis garças.
A jarra cai e se despedaça no chão.
Depois, o silêncio perpassado de luz,
os cacos aquietados e disformes,
a lembrança da harmonia anterior.

A vida, que assim se parece
(a vertigem antes das quedas),
amo-a como às flores fortes e rúpteis.
Dou-me a estes entalhes de palavras discretas,
as quais se possibilitam no mundo onde vivo,
para que não me possa desaparecer o gosto
de saber-me aqui, este aqui passageiro,
única terra onde vim ser bárbaro
e, simultaneamente, terno.

Escuto, em anil, uma voz de mulher:
       “Gosto muito da palavra equinócio,
         pois me lembra de coisas que não diviso
         senão com os olhos fechados.”



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NOTA:
1. A epígrafe são versos da música "Água" de Djavan, que se encontra neste disco: [link: https://youtu.be/]

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│Autor: Webston Moura
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quarta-feira, 15 de junho de 2016

ASSOBIAR UMA CANÇÃO PARA UM DIA LEVANTADO



A luz, excelsa em seu tranquilo passeio, deita ao dorso das folhas das caras-de-cavalo o que a meus olhos incidirá num verde-vivo. Ainda que a vida-de-todo-dia esteja maldita (nos noticiários, nas esquinas, nos lares), não posso adiar os pequenos milagres que me comovem, como esta luz e este verde, sumo e findável instante de passagem em que, vivo de uma vida plena, sinto. E, pelo visto, sentir tem sido um obstáculo para os que se alimentam de pressa e notícias, não para mim. Digo-te, amigo, que há um pátio num elevado de um prédio deserto de uma cidade sem nome. E, nele, um piano branco e alguém que toca. Digo-te, amigo, que há, em redor do pátio, vasos de barro, todos úmidos de frescor e de caras de caras-de-cavalo. A um canto, uma jovem de olhos cor de avelã cuida de um aquário e guarda sigilosos saberes das artes de amar. Ao erguer ao céu a suavidade de seu rosto, vê abrir-se em voo (de dentro de uma estrela) um pássaro. No ínterim deste conforme, sou todos os homens que carrego. E eles, súbitos e tranquilos, não sofrem, pois que sonham neste ressurgir, sem mácula. Renascem para um dia levantado a seu patamar de origem.



[Assobiava algo.
A princípio não compreendi.
Em seguida,
como uma cascata suave,
soou,
límpida,
a canção.
Dizia de uma aldeia
e de uma criança desaparecida.
Dizia de uma mãe em busca de sinais.
A isto dei de pensar sermos nós
aquela criança
vagando nos escuros da realidade
em busca de pão e do caminho de volta.
Por isso, e como não?, os sonhos.]





│Autor: Webston Moura
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