A cidade de Russas necessita de um ABRIGO PÚBLICO PARA ANIMAIS ABANDONADOS, com clínica e profissionais adequados aos cuidados. Apoie essa ideia e exija dos nossos representantes políticos ações efetivas! A cada ano, dezenas de animais nascem e morrem, sem que haja uma política pública adequada que os proteja. Não podemos deixar que isso continue!

quarta-feira, 15 de junho de 2016

ASSOBIAR UMA CANÇÃO PARA UM DIA LEVANTADO



A luz, excelsa em seu tranquilo passeio, deita ao dorso das folhas das caras-de-cavalo o que a meus olhos incidirá num verde-vivo. Ainda que a vida-de-todo-dia esteja maldita (nos noticiários, nas esquinas, nos lares), não posso adiar os pequenos milagres que me comovem, como esta luz e este verde, sumo e findável instante de passagem em que, vivo de uma vida plena, sinto. E, pelo visto, sentir tem sido um obstáculo para os que se alimentam de pressa e notícias, não para mim. Digo-te, amigo, que há um pátio num elevado de um prédio deserto de uma cidade sem nome. E, nele, um piano branco e alguém que toca. Digo-te, amigo, que há, em redor do pátio, vasos de barro, todos úmidos de frescor e de caras de caras-de-cavalo. A um canto, uma jovem de olhos cor de avelã cuida de um aquário e guarda sigilosos saberes das artes de amar. Ao erguer ao céu a suavidade de seu rosto, vê abrir-se em voo (de dentro de uma estrela) um pássaro. No ínterim deste conforme, sou todos os homens que carrego. E eles, súbitos e tranquilos, não sofrem, pois que sonham neste ressurgir, sem mácula. Renascem para um dia levantado a seu patamar de origem.



[Assobiava algo.
A princípio não compreendi.
Em seguida,
como uma cascata suave,
soou,
límpida,
a canção.
Dizia de uma aldeia
e de uma criança desaparecida.
Dizia de uma mãe em busca de sinais.
A isto dei de pensar sermos nós
aquela criança
vagando nos escuros da realidade
em busca de pão e do caminho de volta.
Por isso, e como não?, os sonhos.]





│Autor: Webston Moura
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sexta-feira, 3 de junho de 2016

UMA FLOR INÚTIL AOS ABUTRES OLHOS

Tumulto é o nome do mundo.
Vê que já não mais podemos
― corpos exaustos, exangue voz ―
supor esperanças sobre esta pedra.

E gritamos!

Na noite escura, tiros.
Mesmo o poema, suposta luz
em que à força de palavra-gérbera
se põe a fecundar alguma graça,
não pode contra o furor;
nada pode erguer senão braços enfermos
de nonsense e deslavra, ídolos de areia.

É findo o último azul.
E, ao fim da tarde,
depois de um dia-igual,
insolente e louca,
canta uma ave negra o seu negro canto,
arame estendido na eletricidade.

Eis a nossa casa, soez paragem
que se abarrota de notícia e caos.
Nela, estamos juntos, embora sós.

E gritamos!


│Autor: Webston Moura
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quinta-feira, 2 de junho de 2016

NA MOENDA DOS DIAS

Entre ossos, alguma graça.



Um ônibus atravessa meus olhos, como aos do cão cor de naufrágio, que também segue. A rua, interditada de perigos, já não me abraça senão de aflição e pressa. Quem vem lá? Um cidadão ou um desencontro? Uma senhora, lenta, carrega sacolas (medos, fardos, noites mal dormidas, alguma alegria) e, a custo, consegue distinguir o sinal ─ certo? selado? irrisório? Uma criança e sua mãe passam na outra calçada, e tudo é tão veloz na máquina de ir e vir, que paro, mas apenas na míngua de um lapso. O tempo passa, o tempo não passa. O relógio, meu pulso, meu suor, minha calça de quinta-feira, um cisco no olho, uma guimba, o poste, muros. Em redor, absolutamente, a cidade, sempre e incansável. Moro no mais tarde, depois das onze. O jantar: requentá-lo; comê-lo. Na TV, um homem frágil explica taxas e gráficos, coisas que não entendo. No silêncio, antes de dormir, sei que todos os amanhãs já se foram e que tudo é tão somente o cumprimento de uma rotina. Desligo a TV e me apago. Sono adentro, escutas noutro radar, ouço a moça estrangeira de um filme já antigo. Na névoa de um sonho, entrevejo seu olhar: Lauren Bacall, Uma Aventura na Martinica.



[Na esquina, um banquinho na calçada.
Todos já sabem: ele não é muito de dormir.
Fuma um pouco, enquanto a noite cavalga.
Toma café, escuta o rádio, acompanha os que vão e vem.
Ninguém lhe aborrece, nem os bêbados.
Não é triste, não se queixa, não tem ambições, nunca teve.
Em vez de alegre, leve, que foi o que de melhor aprendeu.
Telegrafa-me um olhar; gesticula, suave, com a mão. Um amigo.
Irmanamo-nos no anonimato dos que
gastam suas vidas comendo jantares requentados
e sonhando com Lauren Bacall.
Veio de longe e sempre de longe será,
pois sua força é um tipo de resistência
que se adapta a diferentes geografias.
Aos sábados, mas não só, toca seu clarinete.
De cá, cantando baixo, acompanho O mundo é um moinho.]



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NOTAS:
1. Lauren Bacall, atriz norte-americana reconhecida por seu talento, extensa obra e inevitável beleza.
2. O mundo é um moinho, música de Cartola que você escuta aqui: https://youtu.be/.

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│Autor: Webston Moura
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domingo, 29 de maio de 2016

DE PASSAGEM



Eu realmente me canso de te ver repetir normas a seguir, normas a quebrar. Para construir ou demolir mundos, sou pouco. Estou de passagem, e o tempo é curto. De camisa azul-claro e calça jeans, não preciso de mais que algum era uma vez e a liberdade de caminhar por aí, sem atentar para o último round entre gregos e troianos. Não leve tão a sério o que pensa. O tempo te dirá o contrário, um jogo infinito de possibilidades, que você, talvez, não queira enxergar. Olha: na janela daquele andar, um vaso que não vai cair. É a vertigem que te deve impulsionar; não o medo de não conseguir controlar o movimento das coisas. E eu só preciso de um drink e de uma verdade que não se pronuncie como um mandamento ou um chamado para uma guerra. Você desaprendeu a pulsação de Down to the Waterline. Você desconsidera abrir as janelas. Deixou uma gramática ofendida nascer entre as nossas palavras.



[Tinha medo. E o tinha como a um tesouro.
Cuidava-o, como a uma horta se cuida.
Tinha os dedos gastos uns nos outros;
as mãos, entre si, cerradas,
fecho de aço que não se quebra.
Tinha a boca seca, as íris abrasadas
e a mais incrível saudade de uma palavra,
que poderia ser qualquer uma,
se possibilitada no bem.]





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NOTA:
1. Down to the Waterline, escute-a aqui [https://youtu.be/]

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│Autor: Webston Moura
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sábado, 28 de maio de 2016

cão

as pulgas pululam
dorso
dores
alma
do meu cão

as pulgas se banham
no sangue
sugado
do meu mísero cão

pulgas não fugazes
iscas de mares
desertos
no olhar triste e insólito
do meu cão

a guarda fica pra depois
meu cão vagueia em passos trôpegos
de uma carruagem perdida

meu cão
branco é o seu olhar de solidão


│Autor: Oreny Júnior
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Oreny Pires de Sousa Júnior é natalense, filho de seu Oreny e dona Zefa. Viveu da infância à adolescência nas ruas e morros da Cidade da Esperança. Nesse bairro conviveu com músicos e poetas. A vida malvada o tangeu do bairro, lançando-o nas estranhas desse país trecheiro. Nesse exílio, necessário de doloroso, catou seus poemas no pedregulho da vida sem o uso de luvas. Alguns foram retirados a fórceps de suas entranhas. Agora, estão aqui, gritando neste livro. [Janilson Carvalho – Professor]

A espera

Até a esperança
a gente espera.

Espera-se o sol,
espera-se a lua,
as estrelas,
a rosa se abrir.
a raiva sumir,
o ônibus passar
e o povo subir.

É muita espera.
Tem o médico,
o exame,
o horário do programa,
o telefone tocar,
o frio passar
e o amor chegar.

Mas, um dia,
até a morte
a gente espera.

Melhor vir de surpresa,
nada de espera.
Só viver
e deixar tudo
acontecer.


│Autora: Maria Dona
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Maria Dona, desde sempre Doninha, nasceu em Pau dos Ferros (RN), em 1945. Foi aluna interna do Patronato Alfredo Fernandes, na época em que os pais ainda residiam na zona rural, e fez parte da primeira turma do Ginásio 4 de Setembro e do Curso Normal de Pau dos Ferros. Depois, estudou Pedagogia na Universidade Estadual do Rio Grande do Norte – UERN – Mossoró, tendo sido presidente da República Universitária. Trabalhou como coordenadora pedagógica em Mossoró, enquanto servidora da Secretaria Estadual de Educação. Em 1998, quando se aposentou, passou a morar em Natal. É esposa de Durval e mãe de Anna Cecília, Sérgio e Mara Regina, além de ser dona de um jardim com roseiras. Seu passatempo predileto é ler e escrever. Participa do grupo de canto Unidos em Cristo e do coral feminino Santa Cecília. Desde muito tempo tem escrito, mas só agora, com o incentivo e o apoio dos filhos, publica o seu primeiro livro.

quinta-feira, 26 de maio de 2016

DENSIDADE

Consistência expressa
na palavra liberdade.




Em silêncio, disponho do trânsito
                                   em meu corpo:
                                     o sangue que, 
                                                    livre,
                                                circula.

Mas, não apenas.

Navegam-me cavalos
advindos de tardes
em que, longe, ia-me.
      Ali, no ar, mar em brisa,
      avencas e álamos rumo
      ao nome incógnito da mulher.
      Ali, no ar, o brando dorso do sol
      a derrear-se na face avistada,
      e que eu, sem mais,
      como quem conjuga simplicidades,
      chamava de mundo.

Em silêncio, disponho
do trânsito, essa música
de perfeita eletricidade,
corpo no presente,
densidade para além do tédio.

Exerço o meu poder,
consistência expressa
na palavra liberdade.


│Autor: Webston Moura
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quarta-feira, 25 de maio de 2016

AQUÁRIO

No que tem de belo,
os aquários:
pérolas flutuando.






Em câmera lenta, chega à piscina.
Para e retira o roupão branco.
O corpo ─ e não um esboço ─ surge:
um biquíni passando
por trás da pilastra
até o outro lado,
enquanto seu olhar,
em ré,
observa (o que?).

Devagar, decidida e delicada,
desce até a água chegar à altura
da cintura, um pouco mais,
um borrão, braçadas leves,
corta para o fundo
azul, azul, azul, azul, azul.

Seus olhos, melancolia feliz,
são, em avelã, o furta-cor
na timidez discreta
dos castanhos meus.

Em que língua,
com a devida musica,
cantar-se-ia aquário
senão na sua?


│Autor: Webston Moura
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A ALGAROBEIRA




Dá-se bem com a rudeza

da terra em que se ergue.
Rudeza da pouca água
com que vive e não padece.
Entre severos, acresce
de força sua beleza.
Austera, sua imagem;
seu fruto, uma vargem doce
com que o boi se abastece.
Dizem dela: estrangeira
que aqui se assentou,
como se fora daqui
sua nascença de sempre,
tal se nota em seu destino
o nordestino vigor,
o mesmo do lavrador,
aquele que conhecemos
por um nome mui comum
(Antonio, Pedro, Clemente
─ homem de sol e labor).

Algarobeira, seu nome.
E é preciso guarda-lo
vivo e direto na árvore
bem mais que nos dicionários.


│Autor: Webston Moura


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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Caderno Livre e Só Um Transeunte.
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sábado, 21 de maio de 2016

PARA QUE FECHES OS OLHOS



Escrevia contos e os guardava. Tinha um sonho recorrente: após dois copos de vinho, dirigia um carro numa estrada deserta e no passado, 1976. No toca-fitas, ouvia: tua presença é uma gota de orvalho que o sol evapora. E a estrada não se acabava; parte por parte, as linhas do meio dividindo a pista, sequência repetida, mas não enfadonha. Lembrava, mas não sabia o porquê de chamar de lembrança a isto: Fechar os olhos. Ouvir as sibilas (descobri-las), como quem, relva sob relva, solo sob solo, desencava o canto, aquele da súmula dos olhares. O vinho, o motor discreto, a noite, ninguém na estrada, viajar, 1976. Escrevia contos. Havia um sobre uma cidade perdida, um lugar mais para a lenda que para a história. Nunca o terminava. Não era a intenção. A travessia, sim, o era. Sempre estar ali com aquela estória, pesquisar em diferentes fontes e conseguir detalhes que pudesse incorporar ao relato. No meio da madrugada, parar e ficar olhando o calhamaço de folhas preenchidas, silêncio. Da janela, a nudez que da rua se expunha. A cidade, o vazio. Gostava daquilo. Ausência e nostalgia. Duração.



[Para ler, ilha que se encontra num fechar
de olhos, selos espalhados sobre a cama,
escaninhos raros, traz à mão o trotar
de raros cavalos e, tons acima,
areias brancas de uma praia
jamais encontrada senão por secretos alfabetos.]






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NOTAS:
1. A citação "Tua presença é uma gota de orvalho que o sol evapora" trata-se do primeiro verso de "Tua Presença", composição de Maurício Duboc e Carlos Cola.
2. O mais, posto em itálico, são trechos de outros escritos do Webston Moura.
3. Em 1976, que houve?

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│Autor: Webston Moura
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sexta-feira, 20 de maio de 2016

RESTAR ÍNTEGRO

Em seu perfeito estado,
um círculo.




Pôr-se ausente a pino,
desmundar-se.
Habitar a penúria,
o zero da cabeça.
Silenciar, escutar
e retornar à primeira água.
Caso um peixe borbulhe sua sentença,
deixa-lo ser: seu reflexo desparecerá.

Na pausa, nada inibir.
Respirar o vago, o limpo, o livre.

Esvaziar-se.

Restar íntegro
e deserto:
abrir-se à luz.


│Autor: Webston Moura
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