A cidade de Russas necessita de um ABRIGO PÚBLICO PARA ANIMAIS ABANDONADOS, com clínica e profissionais adequados aos cuidados. Apoie essa ideia e exija dos nossos representantes políticos ações efetivas! A cada ano, dezenas de animais nascem e morrem, sem que haja uma política pública adequada que os proteja. Não podemos deixar que isso continue!

terça-feira, 26 de abril de 2016

FLORES PARA COIMBRA

Que mil flores desabrochem. Que mil flores
(outras nenhumas) onde amores fenecem
que mil flores floresçam onde só dores
florescem.

Que mil flores desabrochem. Que mil espadas
(outras nenhumas não)
onde mil flores com espadas são cortadas
que mil espadas floresçam em cada mão.

Que mil espadas floresçam
onde só penas são.
Antes que amores feneçam
que mil flores desabrochem. E outras nenhumas não.



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# Poema constante de “30 Anos de Poesia” (Dom Quixote, 1997)

│Autor: Manuel Alegre

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NO MERCADO DE SORRIDENTES AZÁFAMAS

Lobo do homem,
o homem, desencontro de si:
aflito; contristado e inquieto.
Lobo do homem,
o homem engenheiro do caos,
cainçada estrídula abrindo caminho.
Lobo do homem,
o homem no limbo, à margem,
velho pierrot alucinado.

Dorme, acorda, destrói.
Dorme, acorda, destrói.
Dorme, acorda, destrói.

De olhos lacrimosos,
olhos de se amar,
medos de se morrer,
fomes de se chorar,
                 o homem lobo do homem
                 vaga sobre a Terra
                 desde os tempos de antanho
                 a estes dias de nunca.

(Que faço,
armado de palavras-gérberas,
ansioso e enguiço de poemas,
entre homens lobos de homens?
─ pergunta o poeta à beira de si.

E lhe respondem com dinheiro
& dias de saldo
no mercado
de sorridentes azáfamas).


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│Autor: Webston Moura
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O RESULTADO DE TODOS OS DÍZIMOS

Somos escombros de mundos passados,
sombras de pensamentos já havidos:
no galpão abandonado, um menino
transita, e não lhe vemos o rosto;
           um pássaro sem nome voa
                     por sobre sua cabeça
e sai pelo oco do quebrado vitral
               para o aberto da manhã
                               (que se repete).

(Ontem, ecoava Magdalena Kozena
enquanto os lírios se abriam
de dentro das palavras de Nuno Júdice.
Estávamos no vergel e éramos apenas nós.
O futuro nos sorria, adiante, no obscuro
dos nossos iluminados corações).

O espelho, amarescente oráculo,
hoje nos exibe um rosto que nos trai
ou que, em sua mais genuína verdade,
nos revela o resultado de todos os dízimos.
O tempo nos comeu o leopardo,
o baobá, as mercês e o prazer de,
                    sem mais, dizer avelã,
        mesmo que em dia nublado.


│Autor: Webston Moura
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quarta-feira, 13 de abril de 2016

SOLITUDE

Um menino arcaico de sandálias cruas,
a tanger carneiros no cimo da colina.


A primavera, escolha por escolha,
sorri nos dorsos onde a luz incide
e, devolvida em cores,
abre o corpo das calêndulas.


Num tear, uma senhora de siso leve
afeta de café e pão todos os reveses.
Suas mãos dão de haver o que insistem
                                               as coisas que,
                                              sobre a Terra,
                                        por belas e livres,
insistem.


Não tão longe, o mar ressoa
o homem ausente e náufrago,
aquele que se desdisse sobre os rochedos
                                            para nunca mais.


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│Autor: Webston Moura
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segunda-feira, 11 de abril de 2016

ESCUTO O OUTONO CHEGAR

O silêncio, que é de ouro,
guardo-o na prudência
com que, entre homens, caminho.
Vejo-os aflitos e sem escutas,
olhos postos no horizonte,
esperando a salvação
─ que não virá de suas algaravias.
Assuntam a obscuridade que lhes toma,
as esquinas suspeitas, o homem surgido
de suas entranhas, este que não lhes convém.

Disseram-nos de um mundo futuro,
do leite e do mel abundantes,
de cítaras embalando albores,
de sonhos os mais prestimosos.
E o que temos para a ceia
são engrenagens de tecer estapafúrdios,
solilóquios em casas abandonadas,
iras, choros, ressentimentos
e uma paz de pouco linho. 

Por isso, o silêncio, que é de ouro,
guardo-o em meu coração.
E, no enquanto deste agora,
escuto o outono chegar.

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│Autor: Webston Moura
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domingo, 10 de abril de 2016

POSSO O ERRO COMO SAUDÁVEL TRAJETO HUMANO

Dentro do sangue, as palavras não estão em ordem.
Não há policiais gramáticas hierarquizando o desejo.
Se me ponho nesta liberdade, posso a clorofila,
o leopardo, o beijo, a montanha e o abraço.
Posso a carne, que é meu templo saqueado
e minha possibilidade de que haja o agora.
Posso o erro como saudável trajeto humano.
Não escreverei, pois, com os olhos vidrados
e o medo insuflado ao grau de virtude.

Enquanto escrevo, conspiram outros pelo poder.
E, no medo, rezam aos seus deuses petrificados.
Coagem, deturpam, aniquilam ─ eis sua gramática!
Dementes, não se sabem tais
                 e, assim, não voam
                 (quando pensam que sim).


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│Autor: Webston Moura
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RUAS DE SEMPRE, ANDARES DE AGORA

Seu rosto, reconheci-o;
já se me havia souvenir da China,
a dança como que aragem de um corpo
que se desloca dos outros, além; ano já ido.
Agora, somas e subtrações efetuadas,
sim, sei que é o mesmo rosto.
Quem supunha o reencontro, este,
a fala com o ritmo menos acentuado,
o olhar ainda corso dentro do gris,
as mãos que sabiam dos cristais de realgar
e de meninices adocicadas?

E este, quem é?
Crepusculário, Neruda.

Nenhum temor.
E cravos, aromas vindos enquanto seguíamos
ruas de sempre, andares de agora.

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│Autor: Webston Moura
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Num dia branco

segura a borda da mesa com
o cabelo vermelho vamos
para a polônia
                            ver a neve
andava tão dispersa assim
ele nunca conheceu a família com ganas
de frio. sempre aquele
movimento
                          preciso ler outras
coisas a frase cortada
no mesmo ponto fresta de luz
onde fala uma gargalhada
assomada à janela quando o vê
do outro lado da rua procurando o
castelo.
              cabelo curto, segura a ponta
da mesa e mastiga as sílabas
em sua língua.


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# Constante de "20 poemas para o seu walkman" (7Letras)


│Autora: Marília Garcia
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POR AMOR E GRAÇA

Esteja na duração do tempo.



Suponha um boi, o primeiro.
Veja-o caminhar e recalcar o solo.
Não o ajude com piedades humanas.
Veja o pássaro catando no boi
insetos hospedados em seu dorso.
Distinga a geometria incerta
que se expande quando olhos marejam.
Rumine cem dias o milagre desta lembrança.

Acenda um fósforo,
vele pelo ínfimo.
saia do distúrbio.


│Autor: Webston Moura
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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Canção de torna-viagem

Uma carta encontrarei
Debaixo da minha porta.
Ordem da Filha do Rei?
Feitiço da Moira Torta?

A carta não abrirei.
Talvez me seja fatal.
Mas sobre o leito há uma rosa,
Há uma rosa e um punhal.

Que fiz de bem ou de mal
Pelos caminhos que andei?
Qual dos dois, rosa e punhal,
É o da Princesa e o do Rei?

Ai, tudo a carta diria,
A carta de sob a porta...
Se não se houvera sumido
Por artes da Moira Torta.


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# Poema constante de Canções (Editora Globo, 1994)

│Autor: Mário Quintana
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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

UM AZUL SEM GAIVOTAS

Os oceanos estão mais quentes;
os tubarões, mais afoitos;
os corais, em acirrado branqueamento.
E o distraído praieiro, olhando o mar,
sem se aperceber que seu amor é exílio,
                                                            sonha.

Amanhã, dia de depois dos depois,
haverá uma cratera infinita,
fósseis de casais apaixonados,
restos de peixes, rastros de águas-vivas.
E um seresteiro insólito, à beira do precipício,
entoará remotos numa arcaica língua.

Não mais os mares, não mais gaivotas.

Meninas de azul correrão vestidas de vento
por sobre os ossos das manhãs possuídas de ausências.

O sol, ancião arquejante,
susterá, com brilhos definitivos,
os dias de navegações fantasmas.
De um cais resiliente, uma flor de pedra
jorrará terpenos remanescentes de antigos dias.

Anotadas em um caderno de folhas invencíveis,
estas palavras sem escuta que lhes ouça as lágrimas.

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│Autor: Webston Moura
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