A cidade de Russas necessita de um ABRIGO PÚBLICO PARA ANIMAIS ABANDONADOS, com clínica e profissionais adequados aos cuidados. Apoie essa ideia e exija dos nossos representantes políticos ações efetivas! A cada ano, dezenas de animais nascem e morrem, sem que haja uma política pública adequada que os proteja. Não podemos deixar que isso continue!

segunda-feira, 11 de abril de 2016

ESCUTO O OUTONO CHEGAR

O silêncio, que é de ouro,
guardo-o na prudência
com que, entre homens, caminho.
Vejo-os aflitos e sem escutas,
olhos postos no horizonte,
esperando a salvação
─ que não virá de suas algaravias.
Assuntam a obscuridade que lhes toma,
as esquinas suspeitas, o homem surgido
de suas entranhas, este que não lhes convém.

Disseram-nos de um mundo futuro,
do leite e do mel abundantes,
de cítaras embalando albores,
de sonhos os mais prestimosos.
E o que temos para a ceia
são engrenagens de tecer estapafúrdios,
solilóquios em casas abandonadas,
iras, choros, ressentimentos
e uma paz de pouco linho. 

Por isso, o silêncio, que é de ouro,
guardo-o em meu coração.
E, no enquanto deste agora,
escuto o outono chegar.

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│Autor: Webston Moura
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domingo, 10 de abril de 2016

POSSO O ERRO COMO SAUDÁVEL TRAJETO HUMANO

Dentro do sangue, as palavras não estão em ordem.
Não há policiais gramáticas hierarquizando o desejo.
Se me ponho nesta liberdade, posso a clorofila,
o leopardo, o beijo, a montanha e o abraço.
Posso a carne, que é meu templo saqueado
e minha possibilidade de que haja o agora.
Posso o erro como saudável trajeto humano.
Não escreverei, pois, com os olhos vidrados
e o medo insuflado ao grau de virtude.

Enquanto escrevo, conspiram outros pelo poder.
E, no medo, rezam aos seus deuses petrificados.
Coagem, deturpam, aniquilam ─ eis sua gramática!
Dementes, não se sabem tais
                 e, assim, não voam
                 (quando pensam que sim).


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│Autor: Webston Moura
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RUAS DE SEMPRE, ANDARES DE AGORA

Seu rosto, reconheci-o;
já se me havia souvenir da China,
a dança como que aragem de um corpo
que se desloca dos outros, além; ano já ido.
Agora, somas e subtrações efetuadas,
sim, sei que é o mesmo rosto.
Quem supunha o reencontro, este,
a fala com o ritmo menos acentuado,
o olhar ainda corso dentro do gris,
as mãos que sabiam dos cristais de realgar
e de meninices adocicadas?

E este, quem é?
Crepusculário, Neruda.

Nenhum temor.
E cravos, aromas vindos enquanto seguíamos
ruas de sempre, andares de agora.

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│Autor: Webston Moura
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Num dia branco

segura a borda da mesa com
o cabelo vermelho vamos
para a polônia
                            ver a neve
andava tão dispersa assim
ele nunca conheceu a família com ganas
de frio. sempre aquele
movimento
                          preciso ler outras
coisas a frase cortada
no mesmo ponto fresta de luz
onde fala uma gargalhada
assomada à janela quando o vê
do outro lado da rua procurando o
castelo.
              cabelo curto, segura a ponta
da mesa e mastiga as sílabas
em sua língua.


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# Constante de "20 poemas para o seu walkman" (7Letras)


│Autora: Marília Garcia
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POR AMOR E GRAÇA

Esteja na duração do tempo.



Suponha um boi, o primeiro.
Veja-o caminhar e recalcar o solo.
Não o ajude com piedades humanas.
Veja o pássaro catando no boi
insetos hospedados em seu dorso.
Distinga a geometria incerta
que se expande quando olhos marejam.
Rumine cem dias o milagre desta lembrança.

Acenda um fósforo,
vele pelo ínfimo.
saia do distúrbio.


│Autor: Webston Moura
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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Canção de torna-viagem

Uma carta encontrarei
Debaixo da minha porta.
Ordem da Filha do Rei?
Feitiço da Moira Torta?

A carta não abrirei.
Talvez me seja fatal.
Mas sobre o leito há uma rosa,
Há uma rosa e um punhal.

Que fiz de bem ou de mal
Pelos caminhos que andei?
Qual dos dois, rosa e punhal,
É o da Princesa e o do Rei?

Ai, tudo a carta diria,
A carta de sob a porta...
Se não se houvera sumido
Por artes da Moira Torta.


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# Poema constante de Canções (Editora Globo, 1994)

│Autor: Mário Quintana
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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

UM AZUL SEM GAIVOTAS

Os oceanos estão mais quentes;
os tubarões, mais afoitos;
os corais, em acirrado branqueamento.
E o distraído praieiro, olhando o mar,
sem se aperceber que seu amor é exílio,
                                                            sonha.

Amanhã, dia de depois dos depois,
haverá uma cratera infinita,
fósseis de casais apaixonados,
restos de peixes, rastros de águas-vivas.
E um seresteiro insólito, à beira do precipício,
entoará remotos numa arcaica língua.

Não mais os mares, não mais gaivotas.

Meninas de azul correrão vestidas de vento
por sobre os ossos das manhãs possuídas de ausências.

O sol, ancião arquejante,
susterá, com brilhos definitivos,
os dias de navegações fantasmas.
De um cais resiliente, uma flor de pedra
jorrará terpenos remanescentes de antigos dias.

Anotadas em um caderno de folhas invencíveis,
estas palavras sem escuta que lhes ouça as lágrimas.

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│Autor: Webston Moura
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sábado, 6 de fevereiro de 2016

ÁQUEA FLUTUAÇÃO CANTANTE

Entre coisas que se tocam,
costuras e voos.


Um grão de areia: tomo-o nas mãos.
Minúscula vida inerte e muda
que carrega o tempo.
Posso desfolha-lo,
com imaginação e ciência.
Acordo seu íntimo e extinto fogo,
alma que fora junta de outras
amálgama carregada e resoluta,
sombra agora repousada sob a luz,
dura e frágil matéria que me fala.

Estamos um no outro?
Que conversa travamos,
misturas de tempo e força,
nós, naturezas bravas
que a vida adestra?

Dialogamos eu e o grão:
um olho, o quartzo;
o outro, emoção.

Sou humano,
e esta odisseia é demais
para ser apenas condição.
Olho o grão de areia,
que me fita com suas ausências,
e disto sei: sou humano.


│Autor: Webston Moura
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segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

DOIS POEMAS DE NATÉRCIA ROCHA

raízes

Dispenso palavras escritas
Enquanto dissipo verbos entorpecidos.
Vejo cabelos negros, longos, lisos
E, no céu, uma gaivota livre voa ao longe.
Machucada alma, rarefeito corpo
Bebo mais um copo.
Raro é o efeito do silêncio.


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ave

Sinto no amanhecer
O cheiro da chuva
E ainda escuro, ao teu lado,
Escuto triste a partilha do medo.
Saúdo, serena, o transporte do Tempo
Libertando palavras relevadas no sonho.
Reveladas.
Graves lembranças de suspiros agudos
Na ausente superfície da alma insana.







Natércia Rocha nasceu em 1971, em Fortaleza, foi criada em Juazeiro do Norte, mas suas raízes estão na região Norte do Ceará. Fez parte da segunda turma da Escola de Dramaturgia do Museu da Imagem e do Som (MIS), na década de 90, sob direção do cineasta Orlando Senna, e é formada em jornalismo pela Universidade de Taubaté, Vale do Paraíba, em São Paulo. É autora de Contos de ir embora (Edições Demócrito Rocha). Os poemas acima fazem parte de Rumo Norte, um belíssimo livro em que poemas e fotografias se abraçam.

OBSERVAÇÃO ACERCA DA PESCA

Minha tristeza é das ramas
Que despencam ao chão
Mesmo que pouco espancadas
Pelo tempo

Meu silêncio é do canto marítimo.
Do movimento do pescador
Que reproduz a velha cena:
Atirar as redes para buscar
Quem sabe a vida.

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│Autor: Leonam Cunha
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Leonam Cunha nasceu em Areia Branca/RN e, atualmente, reside em Natal/RN. É graduado em Direito pela UFRN e publicou, em 2012, pela Sarau das Letras, seu primeiro livro de poesias, Gênese. O presente poema consta de Dissonante (Sarau das Letras, 2014)

sábado, 16 de janeiro de 2016

VOCÊ NEM ME CONHECE [Webston Moura]



A ilha é uma forma de cúpula, uma língua cujo sabor se oculta. É um mar donde só mar se vê. E seu caminho é circular, um sempre. Meu quarto, silêncio infindo: a mobília de cor aborrecida; o espelho, meu rosto, os anos. Atrás de mim, réstias, a luz que, irregular, me chega. São 8h. Talvez, quem sabe, um pouco mais. Detalhes. E espero o tiro de partida, uma mão, recomeços. Nada. Agora, o nada será lei, eu sei. Santa Luzia, pequena estátua colocada à altura de meus olhos, percebe-me. Com o tempo, foi que me dei a pensar que só essas coisas é que me percebiam. O tempo é assim mesmo. O tempo nos amortece aos olhos alheios. Os outros se acostumam à nossa desaparição. Até se diz que isso é normal, que nosso nome vai sendo demolido em hábito dentro da boca dos outros e que, quando nos olham nos olhos, isso não tem mais nada de domingo, nem de estalo.

Pode me chamar pelo segundo nome, Teresa. É assim que me chamam. Mesmo que o incômodo deste momento pese, não se deixe abater. Caso queira, o banheiro fica à esquerda, no corredor. E há café fresco, espero. Vá à cozinha. E, também, caso possa, leve aquele pássaro. Está na área de serviço. É uma burguesa e não é de cantar, sisuda que só. Mas é amiga. Espero que sejam amigos.

Ah, sim! Haveria um bilhete e até coisas desarrumadas, fotos espalhadas, um segredo agora revelado. Mas é que sempre fui tanto organizada quando discreta. Sim, também sou tímida. Por isso, nada de palavra aí nesta outra gaveta. Nem nesta cômoda. Não precisa olhar. E evite abrir a janela, por favor! Não quero espetáculo. Apenas me pegue e me entregue a um lugar mais cômodo. Pode ser esta cama, é minha. Quanto a esta marca no pescoço, isso é o de menos. Por marcas bem piores, é que meus olhos de pedra agora sugam os teus de espanto. E não chore. A vida é assim mesmo. Você nem me conhece.

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sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

MÃE, MULHER, TEMPO



Meu nome, esquece-o,
que já é tarde debaixo de meu xale!
E eu, de silêncio e discrição,
descreio de teu amor, piedade que é.
Sou doutro tempo e não deste,
expulsa que o sou, a cada dia,
pela pressa alheia e alheada.
Fossilizam-me numa palavra: velha.
Todavia, se posso, digo:
com sorte, estes que vicejam
hão de achegar-se até as artrites.
Aí, talvez, saberão que ainda há estrelas
que se pousam, aladas e viscerais,
nos corações de todas as idades,
o que inclui as minhas.

Autor: Webston Moura


SEUS CABELOS BRANCOS, SUA FALA - É invisível sua presença. Alongada em tempo, ainda assim o é. Esposa, mãe, avó, dona de casa, ordem numérica no pegue-e-pague das feiras e mercados, carrega seu currículo de funções e trabalhos. E não sonha desde remotos tempos. Agora, cabelos brancos, aguando plantas fincadas em vasos de barro e latas reaproveitadas, é invisível. Pelos olhos-não do mundo passa sua figura. De si, sabe de seu pouco tempo e de que a vida, zás-trás, pode, agora, ser ainda menos. Mas já se acalmou com isso. Espera sem esperar. Estende o tempo de modo simples: esquece-o, absorvida que se deixa em orações e preces, enquanto domestica o já imensamente domesticado, a rotina de afazeres de sua casa caiada em luz e memória. Os filhos, na cidade grande ou em não-sei-ondes de um país medonho. Os amigos, lembranças aos idos, distâncias aos ficados. E lhe sorriem esmolas traduzidas em sentimentos de impotência e desconhecimento, como se lhe dessem água, se sede fosse a sua necessidade. E lhe sorriem cordiais formalidades que educadamente se dão ao trabalho para com os velhos. E lhe sorriem com adeuses, que toda delicadeza lhe prestada já não lhe vê vigor, mas, em noir, um rosto indiviso na fumaça de uma estação de trens de um país fictício, o seu, mundo perdido em outroraS e calendários amarelecidos.