sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

MÃE, MULHER, TEMPO



Meu nome, esquece-o,
que já é tarde debaixo de meu xale!
E eu, de silêncio e discrição,
descreio de teu amor, piedade que é.
Sou doutro tempo e não deste,
expulsa que o sou, a cada dia,
pela pressa alheia e alheada.
Fossilizam-me numa palavra: velha.
Todavia, se posso, digo:
com sorte, estes que vicejam
hão de achegar-se até as artrites.
Aí, talvez, saberão que ainda há estrelas
que se pousam, aladas e viscerais,
nos corações de todas as idades,
o que inclui as minhas.

Autor: Webston Moura


SEUS CABELOS BRANCOS, SUA FALA - É invisível sua presença. Alongada em tempo, ainda assim o é. Esposa, mãe, avó, dona de casa, ordem numérica no pegue-e-pague das feiras e mercados, carrega seu currículo de funções e trabalhos. E não sonha desde remotos tempos. Agora, cabelos brancos, aguando plantas fincadas em vasos de barro e latas reaproveitadas, é invisível. Pelos olhos-não do mundo passa sua figura. De si, sabe de seu pouco tempo e de que a vida, zás-trás, pode, agora, ser ainda menos. Mas já se acalmou com isso. Espera sem esperar. Estende o tempo de modo simples: esquece-o, absorvida que se deixa em orações e preces, enquanto domestica o já imensamente domesticado, a rotina de afazeres de sua casa caiada em luz e memória. Os filhos, na cidade grande ou em não-sei-ondes de um país medonho. Os amigos, lembranças aos idos, distâncias aos ficados. E lhe sorriem esmolas traduzidas em sentimentos de impotência e desconhecimento, como se lhe dessem água, se sede fosse a sua necessidade. E lhe sorriem cordiais formalidades que educadamente se dão ao trabalho para com os velhos. E lhe sorriem com adeuses, que toda delicadeza lhe prestada já não lhe vê vigor, mas, em noir, um rosto indiviso na fumaça de uma estação de trens de um país fictício, o seu, mundo perdido em outroraS e calendários amarelecidos.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Ruminar

O alimento é pretexto
para triturarmos aflições
maturarmos pensamentos
mastigarmos ilusões.

A digestão é escusa
para remoermos
atávicas lembranças
em longa maceração
cujo ritual
impregna de jejuns
outros desejos.


│Autor: David de Medeiros Leite



David de Medeiros Leite (Mossoró-RN, 1966) é professor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN. Doutor pela Universidade de Salamanca – USAL – Espanha. Sócio efetivo do Instituo Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHG-RN)  e do Instituto Cultural do Oeste Potiguar (ICOP); sócio-correspondente da Academia Apodiense de Letras (AAPOL), além de pertencer à Academia Mossoroense de Letras (AMOL). Publicou os seguintes livros: Companheiro Góis – Dez Anos de Saudades (Coleção Mossoroense, 2001); Os Carmelitas em Mossoró (em coautoria com Gildson Souza Bezerra e José Lima Dias Júnior) [Coleção Mossoroense, 2002]; Ombudsman Mossoroense (Sebo Vermelho, 2003); Duarte Filho: Exemplo de Dignidade na Vida e na Política (em coautoria co Lupércio Luiz de Azevedo) [Sarau das Letras, 2005]; Incerto Caminhar (Premiado no II Concurso de Poesia em Língua Portuguesa, promovido pela Universidade de Salamanca – USAL e pela Escola Oficial de Idiomas de Salamanca – Espanha) [Sarau das Letras, 2009]; Cartas de Salamanca [Sarau das Letras, 2011]; Presupuesto participativo em municípios brasileños: aspectos jurídicos y administrativos [Editorial Académico Española, 2012]; Casa das Lâmpadas [Sarau das Letras, 2013]; Mossoró e Tibau em Versos (em coautoria com Edilson Segundo) [Sarau das Letras, 2014]. O presente poema consta de Ruminar [Sarau das Letras & Salamanca: Trilce Edições, 2015].

SOBRE UVAS

Esbagaço a uva
      esmago o grão
      devolvo a casca ao solo.

            Agradeço o sumo
            e me despeço
            em cálices de adivinhações.

Deixo amadurecer o grão
fermentado. Ensolarado
adocica o sentido
contraditório da urgência.

       Esbagaço o corpo e dedico
       o tempo a retirar
       o espaço entre os grãos.


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│Autor: Pedro Du Bois
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Pedro Du Bois, poeta e contista. Passo Fundo, RS, 1947. Residente em Balneário Camboriú, SC. Vencedor do 4º Prêmio Literário Livraria Asabeça, Poesia, com o livro Os Objetos e as Coisas, editado pela Scortecci Editora, SP. Tem publicado pela Corpos Editora, Portugal, A Criação Estética; Pela Sarau das Letras, Mossoró, RN, Seres; Pelo Projeto Passo Fundo, Brevidades, Via Rápida, Iguais e Em Contos; Pela Editora Penalux, O Senhor das Estátuas. Blog [http://pedrodubois.blogspot.com.br/]. O presente poema consta de O Livro Infindável (Sarau das Letras, 2015).
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