sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

O QUE SEI DE COR

Sou do sertão, mas cresci na cidade.
Fui me sabendo por carnaúbas,
mas também por Olho Vivo e Faro Fino.
Sou a fronteira que atravessou os rios do tempo
e que, depois de todos os reveses,
deseja apenas paz.
E sei que paz não é um apenas.

Não tenho vergonha de ser nostálgico.
Não me incomodam os “críticos”
(Vestidos de latim ou de molotov,
não sabem sentir à altura de nenhuma alma).

Sou do sertão, mas cresci na cidade
(Cidade do interior).
Lembro-me dos parques de diversão.
Nas radiadoras, ouvia-se:
“Esta é a última canção que eu faço pra você”.
E as mocinhas paqueravam, leves e risonhas.
E os rapazes, igualmente vestidos de simplicidade
                                                                      e inocência.

(Eu era feliz e não sabia)

Sou de um mundo que morreu,
quer dizer, minha alma mais criança
o sabe, o sente e o vive, só ela.

E, se tudo for ilusão,
quero as mais bonitas, sempre!

Ao meu redor, dizem que progredimos.
Mas desconfio da propaganda.
Aprendi isso com Olho Vivo e Faro Fino.

O que melhor sei, sei de cor,
ou seja, de coração.

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│Autor: Webston Moura│
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A MOÇA DE MANNHEIM

Tarde.
Acácias pra lá e pra cá.
No terreno ao lado
patos e galinhas.

O carteiro, de repente,
um pequeno envelope.
Dentro, um cartão
(um recorte urbano,
uma moça e seu sorriso).
E a mensagem dizia:
Não moro no Rio,
sou viajante do mundo.
Felicidades!

Acostumado a cheirar papéis,
tomei o envelope mais o cartão
e os cheirei.

Assim, procuramos pelas pessoas,
pelas suas trilhas.
Ainda animais, embora enternecidos,
farejamos.

E ninguém reduza o cheiro dos papéis
a alguma coisa numa cadeia de carbono.
A moça de Mannheim não merece esse tratamento.



OUTROSSIM - Ao longo do tempo e o que as cervejas empossam. As travessias feitas e outras por chegar. O dia que está nascendo na cidade talvez. As palavras que nunca mais gostaria de ver nos sentidos viciados em que estão empregadas pelos gentios ─ esquecê-las. E, quem sabe, mais tarde há de chover. Olhos fechados, um cais com uma moça de branco acenando um lenço, onde se lê o tempo é uma oferta sem devolução. Elishebha, sua raiz. Beija-me, agora!


│Autor: Webston Moura
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quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

CÁ ENTRE NÓS



Somos vaidades sofridas,
sob o olhar de Deus;
fundura de sonhos
que os dias permitem
                    (ou negam).

Insistimos contra a fumaça,
o embotamento, os insultos,
a incompreensão.

Uns, extrovertidos;
outros, caramujos.

E nunca diga conhecer alguém.
O outro é sempre um desafio
livre-perdido do eu que,
de fora, o vê e se abisma.


│Autor: Webston Moura


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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Caderno Livre e Só Um Transeunte.
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terça-feira, 29 de dezembro de 2015

O HOMEM CALADO DA RUA DISCRETA



Sob a luz da TV, letargia.
A casa, ainda mais escassa,
recendia a incômodos acumulados.
Lá fora, o mundo se multiplicava
                                   em entropias.

Desde ontem, o gato não voltou.
Seu canto, vazio; sua comida, intacta.

Calado, o homem fritava ovos
enquanto continuava a receber
estranhos sinais de Honshu.
Por ainda mais estranho,
sonhava, noite a noite,
com o um bosque perto de Oele.

Da sala, soava:
Si arrastré por este mundo
La verguenza de haber sido
El dolor de ya no ser
Bajo el ala del sombrero.
Cuántas veces, embozada,
Una lágrima asomada yo no pude contener*.

São 17h.
E há uma brisa suave.


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NOTA: * Trecho de "Cuesta abajo", mais rconhecida na voz de Carlos Gardel, mas aqui cantada por Pasión Vega: https://youtu.be/



│Autor: Webston Moura


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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Caderno Livre e Só Um Transeunte.
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MENSAGEM



Por minha mão,
o movimento:
friccionar o fósforo.
E ver sua breve explosão,
um átimo de vida,
o qual fisgo e,
em seguida,
perco.

Resta-me o resíduo.

E do mais que a vida oferece
─ nascer, forçar, fender,
abrir-se à luz, amar e execrar,
descobrir e cegar ─,
o que assim não é senão
fósforo estalado contra o ar,
prodígio e trivial juntos?

Vão-se os dias e os calendários:
o espelho, áspera delicadeza, informa.

Com as mãos, seguro a areia,
que foge; com os olhos, a luz,
que me entontece; com os objetos,
todos os passados, que ninguém lembrará.
E os significados de uma vida assim se bastam.

(Numa foto, um pé de zimbro
e um lugar onde nunca estive).


|Autor: Webston Moura|


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Webston Moura
, administrador deste blog, é Tecnólogo de Frutos Tropicais, poeta e cronista. Natural do Ceará, Brasil, mora no município de Russas, na região do Vale do Jaguaribe. Aprendiz de Teosofia, segue a Loja Independente de Teosofistas - LIT. Tem apreço por silêncio, música, artes plásticas, bichos e plantas. É também administrador dos blogs O Caderno Livre e Só Um Transeunte.
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segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

IDÍLIO

No jardim
─ ar níveo, aquoso e leve ─,
depois do alpendre de madeira,
onde floresciam lembranças,
amabilidades tranquilas,
vergéis cor de lua,
havia-se consigo e só
(seu olhar e seu pulso)
no sentir dos enquantos:
amava o próprio amor,
os olhos de Annie Lennox.

Relia a carta escrita à tarde;
ressentia, suave, o papel,
sua cor e textura,
a mágica que lhe definia
para aquela função:
palavras que eram todas adição.

(Fecha os olhos:
nuances te pronunciam
─ raridade íntegra ─,
como o que vês
assim no doce escuro
que se adensa por teu corpo)

Sabia-se consigo e só
(seu cheiro por si percebido)
e toda a sua pessoa era idílio.

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Poema escrito sob inspiração de, entre outras, "Why", música de Annie Lenox, a qual você escuta aqui: https://youtu.be/.


│Autor: Webston Moura

EU QUERIA FUGIR PARA ANTJE TRAUE



É fim de ano: o zodíaco
          aponta o indistinto,
  a caminhada à margem,
      oscilações nos mapas,
       malmequeres bravos.

Fechar-se-á um ciclo
e os dias serão tão inéditos
                           quanto não:
amanhã, como sói,
estaremos cansados
e sumários
em nossas rotinas,
depois de tudo.

Ainda assim, que nos custa
reabrir os cadernos e dar sinal
a Pegasus e a Cygnus?

Sim, sou otimista,
mas estou cansado:
é muita fala no meio da rua.
Eu queria fugir para Antje Traue.


│Autor: Webston Moura

domingo, 27 de dezembro de 2015

ISABELLE

Num talvez de um instante,
um peixe sobre um incerto,
calhaus na margem de um rio,
ocres em grãos de quartzo,
ariscos apriscos brumosos,
outonos engenhados.

Giro do tempo,
teus olhos,
brisa,
borboleta,
mãos que,
movendo o ar,
orvalham-se.

Cabelos,
ondas,
doiros,
lábios que,
movendo-se,
permitem-se
desenhar
flautas
(seus sons).

Foto.

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│Autor: Webston Moura
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sábado, 19 de dezembro de 2015

UM HOMEM NO ESCURO

Plano aberto:
pontos de luz pela cidade.
Um beco.
Um homem caminha só.

Não se sabe seu nome
ou se desposou uma Evelyn
numa quarta-feira de verão.
Sabe-se que ele segue,
passos apressados,
sumindo-se com seu corpo
e seus sonhos,
se ainda os tem,
se é que algum dia os teve.

Solidão.

Uma folha de jornal,
presa à ferragem de uma usina,
estampa o que já é ontem.

E é natal.


│Autor: Webston Moura

ALDEBARÃ VISTA PELA PRIMEIRA VEZ


Sabem-me pássaros
no trânsito desta varanda.
Sei-lhes a travessia que,
mesmo em seu todo secreta,
está-me paraíso de signos.
E o denso é a emoção que sinto:
rio suave ante um tanger de cabras
nalgum entardecer de uma aldeia
cujo nome supõe raras gemas
e ócios de um tempo sem relógios.

Pronunciam-me âmbar de entalhe feminino,
tal ao que (voz a mais acima) diria afável:
Paco de Lucía em todo frescor.

Não quero o mundo, este do perde-ganha.
Quero o trigo no estalo mais certo sob o sol.

E direi vezes tantas meus olhos fechados,
que minha boca, um sim a pico, agora sorri.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015



Havia sempre o velho,
a partir das cinco da tarde,
à calçada, cadeira posta,
cabelos encanecidos,
olhar de sem-espanto,
como a contar apenas
a passagem daquela hora
em que seu pouco de senhorio
se assenhorava de apenas estar.

Até o dia de nunca mais,
onde se passou a contar
o tempo provido somente
do cachorro que antes havia
em redor do velho,
silente bicho de olhos
agora ainda mais aguados
(ou seriam secos?)

Na pequena sala,
a imagem do Sagrado Coração de Jesus
e um encontro de pequenos sons
vindos de onde não mais havia um velho,
mas só seu nome
(que era mínimo como a vila
que ajudara a construir): Zé.

│Autor: Webston Moura