quarta-feira, 16 de dezembro de 2015



Havia sempre o velho,
a partir das cinco da tarde,
à calçada, cadeira posta,
cabelos encanecidos,
olhar de sem-espanto,
como a contar apenas
a passagem daquela hora
em que seu pouco de senhorio
se assenhorava de apenas estar.

Até o dia de nunca mais,
onde se passou a contar
o tempo provido somente
do cachorro que antes havia
em redor do velho,
silente bicho de olhos
agora ainda mais aguados
(ou seriam secos?)

Na pequena sala,
a imagem do Sagrado Coração de Jesus
e um encontro de pequenos sons
vindos de onde não mais havia um velho,
mas só seu nome
(que era mínimo como a vila
que ajudara a construir): Zé.

│Autor: Webston Moura

MAIS ALÉM DO ALTAR DOS CORDEIROS



Não nascemos para o massacre.

Não é aí que reside a centelha forte.
O livro dos livros
destes senhores que erguem estas torres
                                (pedra imensa alteada)
não pode ser lido sob esse (signo) deserto.
O chão antigo dos dias sob o sol,
mais além do altar dos cordeiros
e dos primogênitos
é habitação das heras e dos sândalos,
do trigo e da erva-sem-nome ─
essa a que o homem dará cultivo:
com elas ervará os ares
odorados do sangue incendiado
que sobe ao deus
                       (decrépito signo deserto)
dos senhores que erguem torres
contra os céus das manhãs.


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# Poema constante de "Aridez lavrada pela carne disto" (Confraria do Vento, 2015)

│Autor: Dércio Braúna

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

NAU, SINAL E CHIAROSCURO



Percorro os escuros da língua
em que me falo, articulações
que consigo, embora fugidias
                                   me sejam:
pérolas de ar.

Escondo-me da língua solta,
                 mundo-sem-devir,
                soslaio indesejado,
queda.

Percorro o corpo da mulher
que há de sempre,
e bemvindamente,
apagar-me
dentro da sua
gravidade.

(De olhos fechados, pronuncie delícia!)

Palavra: aparecer-desaparecer;
o pé descrevendo um arco na areia;
risco rente a hermoso, com
I do not know por sempre.


│Autor: Webston Moura

A ILHA



A ilha oportuniza
águas. A força vulcaniza
e destroça terras abaladas.

   No recomeço de pássaros
   e parasitas. Depósito de ventos.

        A doença trazida em barcos
       no surdo rumor de motores
       desligados. Floresce a ilha
       em terras cobiçadas:

          homens peixes insetos
          pássaros disputam convivências.

Toda ilha comporta ninhos entrelaçados.



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# Poema constante de "O livro infindável e outros poemas" (Sarau das Letras, 2015)

# Pedro Du Bois consta de outros posts deste blog (vide arquivo na barra lateral) e mantém um blog próprio [http://pedrodubois.blogspot.com.br/].

LIRIAI O CAMPO DOS OLHOS


Que você falte às aulas e eu me falte
por não tê-la na fila ao lado e a sala
se transforme num oco ou numa vala
e o profe num coveiro ─ que me salte
corpo afora a alma e o corpo idem se exalte
e trate de voar ligeiro-bala
por sabê-la febril e ao visitá-la
ache-a mais linda sem pintura esmalte ─
que eu me enraíze à beira do colchão
em que a vejo acordar maravilhado ─
que me engasgue e não posa dizer quão
quão “quão doente você tem estado?”

─ tais atropelos não serão senão
          Declarações de Amor-Não-Declarado


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# Poema constante de "Miravilha - Liriai o campo dos olhos" (Confraria do Vento, 2015), de Alves de Aquino.

# Alves de Aquino (O Poeta de Meia-Tigela) mantém um blog [http://opoetademeiatigela.blogspot.com.br/] e consta da segunda edição de Kaya [revista de atitudes literárias].

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

LÍLIA TAVARES, in "EVOCAÇÃO DAS ÁGUAS"



Num sopro,
num esquecimento,
numa lágrima,
na incompletude...
desejava que o inverno trouxesse
a primavera aos meus dias.
Uma tarde trouxe maio no seu seio
e a promessa de entardeceres
inquietamente tranquilos.
O olhar tornou-se líquido
desembaciou a vidraça empoeirada
das manhãs.
Ainda que me faltem glicínias em agosto,
uma onda no limiar da praia,
um remo no meu barco,
uma vela no meu moinho,
uma fonte de cristal quando estou sedenta,
um metro no meu caminho,
os dedos das minhas mãos,
um corpo nu numa noite em que ardo,
agasalho quente no meu ninho,
uma palavra para findar o meu poema,
uma canção para embalar a saudade,
um traço no teu retrato a carvão.
Ainda assim,
mesmo no quarto vazio da solidão,
embrulhada no colo da tua memória presente,
contigo, meu amor, nada me falta...


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# Poema constante de "EVOCAÇÃO DAS ÁGUAS" (Seda Publ., 2015)
# Contatos com autora podem ser feitos através de seu perfil no Facebook [https://www.facebook.com/lilia.tavares.3] ou na página Quem Lê Sophia de Mello Breyner Andresen [https://www.facebook.com/QLSMBA]
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segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

PEQUENOS E TRANSVERSAIS



Trazes calor
               fogo
            incêndio: floresta retornada
                           em cinzas.

Consomes o interesse
e o frio
te estabelece
em pequenos
                e transversais

detalhes.


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# Poema constante de "Tânia: poemas" (Projeto Passo Fundo, 2015), de Pedro Du Bois.

# Pedro Du Bois tem um blog [http://pedrodubois.blogspot.com.br/]. Também está noutros posts deste Arcanos Grávidos (vide arquivo) e em Kaya [http://kayarevistaliteraria.blogspot.com.br/].

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Inventei uma dor


Inventei uma dor
E um presságio
Me anuncia
Que ninguém festeja aqui
Inventei uma solidão, uma carta
Baratinada
Inventei uma confissão
E um pecado
Peregrina
Inventei um deserto e lá me lancei
De calor e de medo
De ilusão
Criei.


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# Poema constante de "Partida de não dizeres" (Editora Substânsia, 2015), de Vitória Régia (o poema)
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domingo, 6 de dezembro de 2015

CONFISSÃO



Sintonizado ao barulho
reconheço o prego
                     pregado
o parafuso
enroscado
                 a água
                 fervida
o dia
mudado
para a tarde
noite
dos regressos

eu
casa fechada,
confesso o crime
de escutar a vida
por todos os lados.


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# Poema constante de "O livro infindável e outros poemas" (Sarau das Letras, 2015), de Pedro Du Bois.

# Pedro Du Bois tem um blog [http://pedrodubois.blogspot.com.br/] e consta da primeira edição de Kaya [revista de atitudes literárias].
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ESTAS COISAS QUE SE ACABAM


Existo dentro destas coisas que se acabam.

Como a erva rasa à beira do caminho,
testemunho o ofício do tempo
arrastado nas sandálias dos humildes ─
                  esses que, mais adiante,
                  não tornarão a estar;

                  tornarão a ser o pó
                  nas gastadas sandálias
                  de seus filhos ─

porque só existimos dentro destas coisas
                                                      que se acabam

(qual deus,
                  nesta carne que sou,
                  que se acaba).


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# Poema constante de "Aridez lavrada pela carne disto" (Confraria do Vento, 2015)

# Dércio Braúna, poeta, contista e historiador, é também editor de Kaya [revista de atitudes literárias] - http://kayarevistaliteraria.blogspot.com.br/. Seu site é este: http://www.derciobrauna.com/.

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Destinos



Na pradaria,
entre escaramuças e carreiras,
brincam e coexistem
─ em (quase) confraria ─
os filhos do vaqueiro e nossas crias.

Olho-os com exultação,
e certamente inquieto:

O porvir,
para ambos,
será leve?


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# Poema constante de "Ruminar" (Sarau das Letras, 2015)

│Autor: David de Medeiros Leite