sábado, 7 de novembro de 2015

O PREÇO DA PASSAGEM


Em silêncio,
dependurados no metal frio
de gastas engrenagens,
nomes guardados no anonimato
da indigência e do abandono,
bovinas figuras que o Estado
e a iniciativa privada pisam.
Não estão a passear,
passageiros que o são
da rotina disciplinada a ferro,
indo ou voltando do trabalho.

Cansaços, medos, angústias.
Assaltos, assédios, abusos.

Pela janela,
veem a cidade passar,
toda ela sedutora e impossível,
atraente e horrorosa,
erguida contra qualquer sonho
que repouse nalgum crepúsculo
acalentador de trovas e poemas.

A um canto mais ao fundo
alguém dorme quase esquecido
de onde deve saltar: despercebe o trajeto;
                                                    apaga a vida.


│Autor: Webston Moura
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quinta-feira, 5 de novembro de 2015

ENQUANTO O SISAL AMADURECE O TEMPO


Eram todos livres,
mas apenas para gritar.

(E ninguém lhes escutava).

Num grande pátio feito para agonias,
o vazio de saber-se só com seu grito
e o nada-mais abundante
sob a bandeira erguida
a representar esta liberdade,
mas dizendo-se voz de outra,
aquela nunca atingida.

E, em mínimos intervalos,
amavam aos seus amores
ou o que deles restou:
a ainda, se possível, negra mulher,
que negras eram todas sob aquele ar;
a luz do candeeiro silhuetando o coqueiro;
a lua e suas metamorfoses;
um cão dormindo;
                     o sisal.


Eram todos livres
numa terra livre e incompreensível.
E suas línguas eram ditas dissolução.


│Autor: Webston Moura
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segunda-feira, 5 de outubro de 2015

TUDO É VÃO NO FRAGOR DE TODAS AS GUERRAS

Nenhum pássaro é avulso.
Tampouco seu voo ou o azul ao fundo.
Fui menino para guardar a lembrança
de que tudo isso é um milagre
e que, como o pássaro, as flores
não intentam vulgaridades.

No entardecer de minha existência,
agoniado entre meus semelhantes,
estes que se embatem por suas verdades,
já não sei se lhes passa ao coração
alguma réstia do que um dia
lhes possa ter sido o que,
                         sem medo,
ousariam chamar de criança:
aquele olhar sem mácula descobrindo o mundo.

Talvez,
estes que se embatem por suas verdades
nada mais possam que não seja a morte
que lhes acompanha enquanto compram carros
e tomam precauções e sedativos.

Tudo é vão no fragor de todas as guerras.


│Autor: Webston Moura
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