sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Manhã branca

Manhã branca,
tênue.
O mar é o meu vestido,
quase claro, quase volátil.
O ar é asa quase leve, quase nada.
Desnecessário é dizer-te
que te espero nas frestas
mais mornas da brisa.
Sonhei com uma corda
puxada pelos dois,
para que lado, esfumou-se...

Acredito que um dia o dia seja uno
e sejamos ambos a manhã.



.................
# Poema constante de Parto Com os Ventos (Kreamus, 2013)



_______________
Lília Tavares (1961)  é psicóloga clínica, há 24 anos a trabalhar na reabilitação de jovens e adultos. Casada e mãe de dois filhos, frestas de luz que a vida lhe deu. Unida à Poesia desde os treze anos, publicou em 1979 Fusão Crepuscular e outros Poemas em edição de autor. Participou, a convite, numa antologia de poetas do Baixo Alentejo, dois anos mais tarde. Natural de Sines, traz consigo o aroma das marés vivas de Setembro. De extremos, ama o aroma das terras, o sol, as alfazemas em Junho. Criadora e co-autora da Página "Quem lê Sophia de Mello Breyner Andresen"Lília é co-autora da Página "Poesia com Artes" e, neste âmbito, realiza  Encontros de Poesia e Artes em Oeiras. Tem criado eventos, prefaciado,  participado e/ou apresentado diversos livros de poesia de outros autores. Participou com outros onze autores em Rio de Doze Águas(Coisas de Ler, 2012), antologia prefaciada por Joaquim Pessoa. Publicou Parto com os Ventos (Kreamus, 2013), prefaciado por Carlos Eduardo Leal, RJ, e ilustrado com esculturas de arame de Simone Grecco, SP. Ama as pequenas coisas. Prende o olhar numa lágrima, num amigo, numa estrela.
_______________

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

DA DELICADEZA DE DEUS

[...] do mesmo modo como o queijo é feito
do leite, e do qual surgem os vermes [...]
Carlo Ginzsburg, O Queijo e os Vermes



Criar é uma grade brutalidade.[1]
Deus o sabe ―
                      por isso a vida.

Se falta irrigação
à minúscula carne de um recém-feto,
se falta a vital pancada
ao músculo que nos mantêm,
se morre uma besta estropiada:
                                        a delicadeza de deus
                                        põe os vermes
                                        a cantarem
                                        sobre tudo isso ―

e que dessa música faça-se tudo!


....................
1. HERBERTO HÉLDER, Ou o poema contínuo – “Poemacto – IV” (São Paulo: A Girafa, 2006, p. 119)
# Poema constante de Metal sem Húmus (7Letras, 2008)

│Autor: Dércio Braúna│
__________________________

NÉON



Luz descerrada e crua
Que não rodeia as coisas
Mas as desventra
De fora para dentro

Espaço de uma insônia sem refúgio
Tudo é como um interior violado
Como um quarto saqueado
Luz de máquina e fantasma


....................
# Poema constante de Geografia (Editorial Caminho, 2004)


│Autor: Sophia de Mello Breyner Andresen
____________________________________________