terça-feira, 30 de setembro de 2014

As Mãos



Sabe o que está escrito na sua mão? Orides Fontela responde: “Leio / minha mão / único livro”.

Os poetas dentro do processo criativo contextualizam “as mãos” como desafio, desenvolvendo um olhar afetuoso e captando a essência atemporal da palavra, com a finalidade de desvendar esse poder absoluto que as mãos exercem sobre nós. Nas palavras de Jorge Tufic, “Para / Fernando Pessoa / os símbolos / não são você / nem ninguém. / São a noite interna / a dormir acordado. / Símbolos. / As mãos, por exemplo: / Quem são elas?”

As mãos constituem a individualidade no sentido da existência e, ao as vivenciarmos, encontramos os gestos declarados: mãos que guardam o tempo, mãos frias e quentes, mãos estendidas e recolhidas, mãos que arremessam  e acenam, mãos que ajudam, mãos para trás negando o contato e renegando o gesto, mãos carinhosas e amigas, as mãos do carrasco, mãos lidas pelas ciganas, mãos calejadas, mãos trêmulas e a Mão Única, de Orides Fontela: “é proibido / voltar atrás / e chorar.”

As mãos revelam o gesto e descrevem os diferentes processos que vão da aprendizagem à liderança e da tristeza à alegria. Elas, ainda, representam a confiança nas relações pessoais, promovendo a emoção, como em Carmem Presotto, “Há mãos / que ao contar poemam /escrevem no tempo / libertam amarras / reúnem amizades / e dão às letras liberdade...” Também são retratadas no homem que sofre, quando lança mão de um amor, como o livro As Mãos em Cena de Pedro Du Bois: “De você / tive a mão / na condução / da vida // ávida como são as diferenças / troquei sua mão / pela minha / e me fiz / sozinho // tenho minha mão interrompida / no momento em que larguei a sua...”


Ao andar por esse caminho, me instiga pensar o que significam para os poetas, nos dias de hoje, as mãos que os tocam; seriam elas que dão a beleza e a força? Benedito Cesar Silva nos mostra que “Desço as mãos sobre seu corpo, / Incorporando-o ao meu. / Na dualidade das partículas em atrito / fazemo-nos um”.

Percebo que a influência das mãos é manifestada através de expressões que estão presentes no nosso dia a dia, como dar com um mão e retirar com a outra, passar de mão em mão, estar de mãos atadas, ganhar de mão beijada, pedir a sua mão, não abrir mão de, “... Não abrirei mão de arrancar as estacas, / de ampliar horizontes e o que se faça, / para enraizar e frutificar sonhos!”, nas palavras de Benedito Cesar Silva. O interessante é que o homem em sua essência continua o mesmo, o que muda são as circunstâncias que na linguagem poética têm a liberdade de buscar novos e simbólicos temas, que o poeta escreve com pluralidade de significados, deixando a linguagem viva, como em Armindo Trevisan, “Antes que a romã / escancare as portas / do dia /  beijo-te as mãos”.

Essa liberdade que pensamos ser verdadeira e alcançada pelos poetas, talvez seja apenas mais um dos segredos da motivação com que eles apontam uma nova maneira de produção. Ao desvendar esse poder é preciso manter como tema o sonho da conquista; buscar no pensamento as impressões baseadas nas razões e nos sentidos, como percurso de comunicação. Na visão de Carmem Presotto, “Há mãos que ao contar / amam no tempo em que vivem / e por isso, trabalham, dobram espaços, / lutam e transformam horizontes...”


│Autor: Tânia Du Bois
___________________
# Crônica constante de Amantes nas entrelinhas: crônicas (Projeto Passo Fundo, 2013)

# Leia também:


_____________
* Tânia Du Bois, natural de Sarandi, RS, residente em Balneário Camboriú, SC. Pedagoga. Articulista, cronista e resenhista. Colunista literária do Jornal Correio do Município, Itapema, SC e da A Revista SC. Colaboradora do Projeto Passo Fundo.
_____________

domingo, 28 de setembro de 2014

ENQUANTO OLHAVA AS MARGARIDAS

ressentia a meninez dos inícios imberbes,
                          mas o tempo já lhe havia passado.

seu rosto, um mapa antigo, refolhos;
seus olhos, o  quão podiam, luz ensombrada;
suas mãos, cronologia de léguas.

domingo, estava só no beiral sentindo refluências,
e o mundo, tarefa indomável, lhe doía
como uma chaga sempre aberta e disposta.

á sua frente, ao chão, sem acídia, a natureza
de infatigáveis margaridas, suas vozes brancas.

consigo e contrito, embora leve,
descosturava ali as palavras desmesuradas
                                                       estômago adentro.

era homem e era só, assim de se considerar somenos.



│Autor: Webston Moura

______________________
NOTA:
1.Os versos em negrito e itálico constam de meu poema "Beiral" (Encontros Imprecisos: insinuações poéticas; Imprece, 2006)

__________________________________-

a vida passa


chorar em etrusco ou na varanda,
porque em mim já não caibo.

é fim de tarde: na rua, passam, lentamente,
umas senhoras, suas dores (quase) amansadas,
                   dores que se convertem em diabetes
                                                            e hipertensão
e o mais que os seus silêncios de mães
não pronunciam senão por olhares cabisbaixos.

levam seus rosários; vão à missa.
eu as vejo com meus olhos já envelhecendo;
eu, que inda agora era jovem e supunha mudar o mundo,
quando sequer arranhei o muro,
exceto por umas insinuações poéticas.

(no alto céu, a noite a cair num cinza-azulado
em que o íntimo extasia a estrela e o pudor.)

noutro tempo, longe,
plangem violões uma serenata:
escuto um nome ― maria ―,
talvez aquela que,
no futuro,
nem mais se lembre de flor e vênus,
posto haver-lhe apenas sangue nas mãos,
                                                   sal não-bendito
e vermelho, todo forte.

adentro a casa em que moro,
vou à cozinha e sorvo uma dose de cachaça.
e, súbito, a voz que, em última esperança,
anuncia uma canção mínima:
estamos vivos no prezo do respirar.

a vida passa, sei, respirando.



│Autor: Webston Moura
________________________